O imbróglio do último clube na orla da Barra
O Globo, Carla Rocha, 29/set
A disputa por um terreno à beira-mar do primeiro clube da orla da Barra da Tijuca - hoje o último, quase uma relíquia urbanística ameaçada - vai entrar para a crônica carioca. A história é longa, mas tem o seu charme. Nos anos 60, o húngaro Tibor Turcsany fundou num pedacinho de céu um terreno de 20 mil metros quadrados, o Riviera Country Club, nome pomposo para um empreendimento lá no fim do mundo, como era vista a Barra naqueles anos. O bonitão, louro e de olhos azuis era um louco - e visionário. O sonho de Tibor deu certo, mas durou pouco. Ele, que deixou as terras geladas e se quedou de amores pelo Rio, morreu anos depois.

Sem escritura, o clube ficou apenas com um documento manuscrito por Tibor em 64, quase um papiro, em que ele cede os direitos sobre a posse do terreno. Rico, Tibor deixou bens em seu testamento, menos o clube, talvez por considerá-lo um caso à parte. Então teve início uma grande confusão. O inventário acabou sem uma solução definitiva para o problema.

Filho de fundador transferiu terreno para seu nome

Em 2009, o único filho de Tibor, Michel Turcsany, transferiu o terreno para o seu nome, no 9º Ofício de Registro de Imóveis. Logo depois, vendeu-o. Não sem uma coincidência. O negócio foi fechado por cerca de R$ 4 milhões com a Riviera Empreendimentos e Participações - nome que lembra o clube.

A Riviera - que comprou o terreno, não o clube - tem hoje como sócios a Decta Engenharia e Raimundo Francisco Lobão. Com vários lançamentos de luxo na Zona Sul do Rio, da Lagoa a Botafogo, a Decta já foi alvo de denúncias de mutuários em Teresina e no Maranhão por obras paralisadas ou com atraso. São eles que darão ao roteiro um desfecho inesperado. Representando a Decta, duas SPEs (sociedades de propósito específico), a Poty e a Renno, a Riviera e o próprio Michel, Lobão emitiu notas no valor de R$ 60 milhões para o Petros, fundo de pensão da Petrobras, uma espécie de empréstimo para financiar projetos imobiliários do grupo. Além outras exigências, o Petros aceitou como garantia o terreno do clube, avaliado em quase R$ 100 milhões, caso um eventual leilão se faça necessário por falta de pagamento. Procurados pelo GLOBO, os responsáveis pelo Petros não quiseram comentar o caso.

Clube quer anular atos de herdeiro na Justiça

O diretor comercial da Decta, Jaques Bassan, explica:

- Os recursos vão financiar obras no Rio e em Teresina, que estavam atrasadas por problemas de financiamento bancário. Em 37 anos de existência, nunca deixamos de entregar um empreendimento - garante Jaques, acrescentando que ainda não sabe quais são os planos da empresa para o terreno do clube, agora da Riviera, que é do grupo Decta.

A briga promete no que depender dos sócios-proprietários do Riviera. São 1.200 pessoas, que podem chegar a cinco mil com os parentes. Não se sabe muito bem por que boa parte é de policiais militares. O presidente do Riviera, o coronel da PM Abílio Faria, não quer nem conversa sobre o assunto. Mas o advogado do clube, José Nicodemos, prepara uma ação judicial pedindo a nulidade de todos os atos de Michel, filho do benfeitor. Ele promete levar ao tribunal um documento manuscrito pelo húngaro em 1964 em que ele faz a cessão do terreno ao clube - que tem cópia em cartório, de acordo com ele. O combinado teria sido Tibor receber em troca 60% dos títulos vendidos. E assim foi, alega o clube. Nicodemos vai questionar ainda os últimos passos de Michel.

- No processo do espólio do pai, ele pediu, mas o juiz negou, a posse sobre o terreno do clube, que não está sequer no rol de imóveis do inventário. O pedido também foi negado em segunda instância pelo tribunal. O Michel foi ao Superior Tribunal de Justiça, mas, ao perceber que perderia mais uma vez, desistiu da ação. Curiosamente, meses depois, foi a um cartório e registrou a posse do imóvel - diz o advogado.

Clube tem dívida de IPTU já em R$ 7,6 milhões

Sobre a pendenga Michel não fala. Localizado pela reportagem do GLOBO, seu advogado, Rodrigo Monteiro Melo Silva, diz que ele está fora do Rio e nem arrisca uma previsão de quando voltará. O advogado foi econômico na resposta:

- Se ele não tivesse direito ao terreno, o cartório não teria feito o registro do imóvel.

Moral da história? Só a Justiça poderá dizer. A briga é boa. Só para complicar mais um pouquinho: o terreno do clube acumula um débito de IPTU de R$ 7,6 milhões, e foi para a dívida ativa. E um tantinho mais: o clube é tombado e, no espólio de Tibor, há ainda uma ex-bailarina húngara, muito culta, segunda mulher dele, 20 anos mais jovem, hoje uma senhora. Mas, até agora, há um silêncio total sobre sua parte no latifúndio.

De festas tradicionais a ousadas

Muito pai coruja há de lembrar de jogos de futebol dos filhos no Riviera, que está na Avenida Sernambetiba antes mesmo de a via ter sido batizada. A ousadia de Tibor rendeu. Três mil títulos foram vendidos. Famílias da Zona Sul passavam o fim de semana lá. Ao longo dos anos foram muitos casamentos, bailes de debutantes e até alguns arremedos moderninhos como festas GLBTs, que, a bem da verdade, não vingaram, sob protestos da vizinhança.

- Pena. Lembro que as festas gays provocaram muita reação da vizinhança e não deram certo por isso. Mas, que eu saiba, o clube sempre mostrou-se aberto - recorda-se Cláudio Nascimento, na época presidente do grupo Arco-Íris, hoje superintendente da Secretaria estadual de Direitos Humanos.

O futuro é incerto. Não dá para esquecer um dos últimos clubes a sair de cena, o Nevada, que, já caidinho na década de 90, virou mais um megacondomínio. Sem o Riviera, a faixa litorânea da Barra estará toda dominada por prédios de luxo com serviços, pequenas cidades particulares. O antigos clubes só serão lembrados em teses de arquitetura.

- Não vai sobrar nada. Os outros clubes estão longe da praia - diz Delair Dumbrosck, da Câmara Comunitária da Barra.


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