Quando o filho feio tem pai orgulhoso

01/07/2012 - O Globo, Vera Araújo

Na contramão das críticas, engenheiro e ex-secretário de Obras defende a Perimetral

O Elevado da Perimetral, que há 34 anos liga a Avenida Brasil e a Ponte Rio-Niterói à Avenida General Justo, próximo ao Aeroporto Santos Dumont, encurtando caminhos, agora divide opiniões. Dependendo de quem veja a questão, a demolição da via expressa, que segundo a prefeitura começará em abril de 2013, vai acelerar a revitalização da Zona Portuária (como aposta o município) ou o caos urbano (como pensam alguns cariocas). Para o engenheiro civil Emílio Ibrahim, de 82 anos, considerado por urbanistas um dos pais da Perimetral, é quase como se um filho estivesse no estágio terminal de uma doença. Secretário de Obras do antigo Estado da Guanabara na gestão Chagas Freitas (1970-1975), coube a ele negociar para que os principais entraves à liberação da obra, marcada por constantes paralisações, fossem removidos. Hoje, Ibrahim não hesita em defender a cria:
- Tem que revitalizar os cinco milhões de metros quadrados da área do Porto Maravilha, incluindo a Perimetral no projeto.
A campanha para a demolição do elevado de 7,3 quilômetros começou na gestão do prefeito Luiz Paulo Conde (1997-2001). Arquiteto, ele chegou a chamar a Perimetral de "mostrengo" - expressão que já tinha sido usada por urbanistas antes mesmo de a obra, feita com dinheiro estadual e federal, ser inaugurada, em 31 de maio de 1978. Conde anunciou que o elevado seria posto abaixo, mas foi vencido pela pressão popular e pelo argumento de que a demolição provocaria um nó no trânsito na Zona Portuária.
A construção da Perimetral levou 25 anos. Em 1953, foi lançada a pedra fundamental. No entanto, as obras só começaram mesmo em 1969, devido a problemas com desapropriações, entre outros. Em sua primeira concepção, segundo o projeto do engenheiro Carlos Soares Pereira, a via teria apenas 2,5 quilômetros, começando perto do Aeroporto Santos Dumont e terminando na Avenida Rodrigues Alves.
Ibrahim participou da segunda etapa das obras em diante. Como secretário, uma das maiores dificuldades que enfrentou foi conseguir da Marinha a liberação da construção, já que o elevado atravessaria um terreno do 1 Distrito Naval e havia o temor de atentados.
- Nós nos comprometemos a fazer uma cerca para evitar que alguém jogasse bombas na área militar - lembra.
Além disso, a Perimetral atingiria imóveis da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro e da Administração do Porto. Coube a Ibrahim resolver também esses impasses. Ele conta que sobrevoava todos os dias as obras e negociava pessoalmente a compra das vigas de aço da CSN, em Volta Redonda. Até nos fins de semana o então secretário percorria os canteiros.
Ibrahim veio da cidade mineira de Mariana para o Rio em 1948 para jogar no Fluminense. Mesmo tendo trocado o futebol pela engenharia, ele dribla com elegância a controvérsia a respeito da demolição.
- A Perimetral descortinou uma beleza da Zona Portuária que o carioca não conseguia enxergar: o relevo da cidade entre a montanha e o mar. Um dos principais trechos é justamente o que margeia o 1 Distrito Naval, na Praça Mauá, de onde é possível admirar o Mosteiro de São Bento - argumenta.
Entre os documentos que guarda, Ibrahim mostra uma citação do amigo Lúcio Costa, arquiteto e urbanista.
- Olhe aqui - ele enfatiza, apontando para ao texto e empostando a voz. - Lúcio diz: "O prolongamento do Elevado da Perimetral dará ensejo a que se descortinem as fachadas leste e norte do imponente Mosteiro de São Bento com seu famoso botaréu" (obra maciça de alvenaria para reforçar paredes sujeitas a grandes pressões laterais). Passar de carro ali é um verdadeiro passeio turístico. Dá para ver a Ponte Rio-Niterói e a Candelária de frente. Não sou contra a revitalização da Zona Portuária, mas não é porque alguns arquitetos espanhóis puseram na cabeça que a Perimetral é um monstro que temos que acreditar nisso. É preciso ter bom senso - afirma.
O ex-secretário de Obras lembra o exemplo de outras cidades para defender a Perimetral.
- Tenho orgulho de dizer que vi esta obra nascer. Tenho motivos de sobra para não deixar que ela morra. Há várias capitais no mundo que conservam seus elevados. Até porque o trânsito ficará caótico ali. Para que sacrificar a vida dos moradores?