As diferentes faces do louco que criou o bondinho do Pão de Açúcar

19/10/2012 - O Globo

Visionário e generalista, que entendia até de café, o engenheiro civil Augusto Ferreira Ramos convenceu a alta sociedade a investir em sonho que foi alvo de piadas

O estilo do engenheiro Augusto Ramos: chapéu, bigode e gravata borboleta Acervo do Caminho Aéreo Pão de Açúcar

RIO O engenheiro Augusto Ferreira Ramos é daquelas pessoas com currículo tão extenso que parece ter tido duas vidas. Quando imaginou o bondinho, em 1908, ele já era um dos mais importantes nomes da engenharia de sua época. Na história de Augusto Ramos, nascido na cidade de Cantagalo no ano de 1860, o Pão de Açúcar é destaque ao lado do seu enorme conhecimento da cultura do café. Antes de criar o teleférico, ligando os morros da Urca, do Pão de Açúcar e da Babilônia, ele viajou por vários países da América Latina, pelos EUA e pela Europa para estudar a agricultura cafeeira na América Espanhola. A inspiração para a ligação suspensa por cabos na Urca teria surgido nessas viagens. Mas os registros históricos indicam que o estalo veio durante a Exposição Nacional de 1908, aos pés do Morro da Urca pelo centenário da Abertura dos Portos. Ele foi um dos coordenadores do pavilhão de São Paulo por causa do café, primeiro produto da balança comercial brasileira naquele tempo.

O projeto do caminho aéreo conquistou a alta sociedade, mas foi um espanto no Rio do início do século XX. As más línguas chegaram a insinuar que ele deveria fazer um bondinho até o Hospício Nacional, que funcionava no atual campus da UFRJ. Nada abalou Augusto Ramos, formado em engenharia civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro e, desde 1894, professor da mesma instituição em São Paulo.

Era uma pessoa muito diversificada. O que me impressiona mais nele é que, além do bondinho, ele fez uma série de outras obras no país. Hoje não existe engenheiro assim afirma o engenheiro Octavio Augusto Ramos, bisneto do criador do bondinho.

Augusto Ramos atuou em diferentes frentes na virada do século XIX: no ramo do café, como autor de importantes escritos sobre o seu cultivo e comercialização; na construção de usina de açúcar, de fábricas de cimento e papel, de uma hidrelétrica no Vale do Itapemirim, e de uma das primeiras estradas de ferro elétricas do país, no Espírito Santo; na retificação de trechos do Vale do Rio Paraíba, na Bahia; e em obras de saneamento em Curitiba e Vitória.

Ele era um visionário diz a professora de Turismo da UFF Telma Lasmar, coautora do livro sobre os 95 anos do bondinho.

Do bisavô, que não conheceu, Octavio guarda a imagem retratada na estátua ao lado do antigo bondinho, no Morro da Urca: um senhor elegante, de chapéu, gravatinha borboleta e bigode bem feito. As histórias do parente ilustre foram contadas pelo pai,que foi educado por Augusto Ramos. O avô de Octavio, o também engenheiro Theodoro Ramos, morreu precocemente em 1936.

Como ele não era abastado, convenceu a alta sociedade da época a construir o bondinho conta ele, de 52 anos, que pisou pela primeira vez no teleférico aos cinco anos.

Fundos captados nas altas rodas

Entre os investidores, estão nomes de famílias ilustres como o industrial Manuel Antônio Galvão, Candido Gaffrée, Eduardo Guinle e Raymundo Ottoni de Castro Maya. Em 1912, o engenheiro dividia a direção do negócio com o comendador Fridolino Cardoso.

A Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar foi aberta com um capital de 360 contos de réis, e a construção do teleférico custou dois milhões na mesma moeda. Parte do dinheiro veio do café. Como o país não possuía indústrias que fabricassem teleféricos, buscou-se uma solução lá fora. Foi contratada a empresa J.Pohling, em Colônia, na Alemanha, que fabricou e montou os equipamentos. A viagem em 1912 no camarote carril custava dois mil réis, o que equivaleria a cerca de R$ 9 hoje, segundo o professor Moacyr Alvim, da Fundação Getúlio Vargas. Com o sucesso e o passar dos anos, a passagem encareceu: hoje custa R$ 53 (as regras do meio ingresso são respeitadas e crianças até seis anos não pagam).

O projeto, grandioso, caminhava na direção das intensas transformações da cidade no começo do século XX na gestão do prefeito Pereira Passos, entre 1903 e 1906.

O Rio vivia uma eferverscência cultural, econômica e política. O que era a cidade antes da República? Era acanhada, pequena, com ruas tortuosas, estreitas. O Pereira Passos chega tentando transformar a cidade colonial portuguesa. O Rio era considerado a Paris dos trópicos explica Alberto Taveira, arquiteto do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), lembrando ainda um fato curioso: Em 1908, foi dado pela primeira vez ao Rio o apelido de Cidade Maravilhosa.

Depois de sua grande obra, que mudaria de vez a paisagem do Rio, Augusto Ramos escreveu, em 1923, o tratado O café no Brasil e no estrangeiro, obra comemorativa do 1º centenário da Independência do Brasil. Antes, ele já havia publicado, pela Secretaria de Agricultura paulista, o relatório A indústria cafeeira na América Espanhola. Doutora em História pela USP e historiadora da Secretaria estadual de Cultura de São Paulo, Ana Luiza Martins aponta os livros e revistas sobre o café, de autoria do engenheiro, como as mais significativas publicações do tipo na época:

Augusto Ramos teve um papel fundamental. Ele traçou políticas para o café numa época de crise.

Augusto Ramos morreu em 1939. Em 34, Carlos Pinto Monteiro assumiu o bondinho e, em 62, foi a vez de Cristóvão Leite de Castro, pai da atual diretora, Maria Ercília Leite de Castro.



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