Bondinho do Pão de Açúcar foi considerado obra desafiadora no início do século passado

19/10/2012 - O Globo

Monumento acabou se tornando um dos símbolos da modernização do Rio

Visão panorâmica. A cadeia de montanhas surge em detalhes, vista do Pão de Açúcar, o ponto mais alto do passeio Custódio Coimbra / O Globo

RIO Em seis minutinhos, chega-se ao cume do Pão de Açúcar, viajando dentro de um diamante suspenso por cabos sobre a Baía de Guanabara. A 396 metros de altitude. Mágico até os dias atuais, o passeio de teleférico era visto, há 100 anos, quando foi concebido, como criação de uma mente louca. O engenheiro Augusto Ferreira Ramos, no entanto, provou para a sociedade da época que seu projeto era viável e o bondinho viajou, pela primeira vez, em 27 de outubro de 1912. Feito de madeira, o camarote carril como era chamado deslizou da Praia Vermelha até o Morro da Urca levando 577 passageiros no dia da sua inauguração, depois de pouco mais de três anos de obras. No próximo sábado, a primeira linha do bondinho do Pão de Açúcar, que se consagraria como uma obra monumental e um dos principais cartões-postais do Rio, completa 100 anos.

A tecnologia mudou no último século, assim como a língua portuguesa, que trocou os dois ss de Pão de Assucar pelo ç e pôs acento agudo no u. Mas o encantamento atravessaria gerações. Quarenta milhões de pessoas já embarcaram nessa aventura, nos cálculos da Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar, que administra o serviço. A emoção de flutuar pelos céus do Rio e apreciar de cima as praias da Zona Sul, o mar de morros e os contornos de Niterói, do outro lado da Baía, não embaçou com o tempo. Somente no ano passado, segundo a Riotur, o monumento teve 1.331.487 visitantes, ficando atrás apenas do Corcovado, outro ícone.

Por três séculos, depois do Descobrimento, o Pão de Açúcar foi um marco do Rio e do Brasil inacessível. Foram várias as tentativas de desbravá-lo. Em 1817, um feito. A inglesa Henrietta Carstairs escalou o costão, pela face leste, e chegou lá. Não ficou barato. Movido pela paixão, no dia seguinte, o soldado lusitano José Maria Gonçalves fez o mesmo só para substituir a Union Jack pelo pavilhão real português.

De inacessível a símbolo pop

Desde então, céus e terra ainda seriam revolvidos. O fotógrafo Marc Ferrez encarou as escarpas íngremes para fazer, em 1890, a primeira foto panorâmica do Rio, vista do Pão de Açúcar levando com ele 100 quilos de equipamentos. O que capturou foi uma imagem deslumbrante, ainda em preto e branco: ondas de montanhas sobre um Rio ainda pouco tocado.

Era a medida de que a construção do teleférico seria uma epopeia. Os operários de Augusto Ramos eram alpinistas que içaram quatro mil toneladas de equipamentos e material de construção. Com trabalho árduo, logo depois da conclusão da primeira linha, ficou pronto o segundo ramal até o Pão de Açúcar em 1913. O diplomata e pesquisador Pedro da Cunha e Menezes observa que a obra era vista como algo impossível:

Mesmo na Europa havia pouquíssimos teleféricos. No Brasil, não se acreditava que houvesse capacidade técnica para fazer os desenhos estruturais da obra, nem para executá-la com desenhos feitos por estrangeiros diz ele, um dos autores do livro sobre os 95 anos do bondinho do Pão de Açúcar, publicado em 2007.

Maior centro de escalada do país

Até então, só havia o teleférico de Monte Ulia, na Espanha, com 280 metros de extensão, e o de Wetterhorn, na Suíça, com 560 metros, ambos construções recentíssimas à época. Ao quase ineditismo, soma-se o momento histórico. O Rio, no início do século XX, tinha uma população empobrecida vivendo em cortiços e pessoas morrendo de febre amarela. Ao mesmo tempo, era uma cidade que queria deixar para trás o passado colonial, a partir de um intenso processo de modernização, com obras como a da Avenida Central, de 1905, para se tornar a Paris dos trópicos.

O bondinho do Pão de Açúcar é um dos primeiros grandes sinais do uso da paisagem do Rio como elemento importante do turismo diz o historiador e arquiteto Nireu Cavalcanti.

Além da proeza, o Pão de Açúcar é único porque alia beleza natural e importância histórica aos pés do Morro Cara de Cão, que fica ao lado, foi fundada a Cidade do Rio de Janeiro. Suas características geológicas até hoje estimulam a prática do montanhismo. O complexo de morros da Urca inclusive o da Babilônia, que, nos sonhos de Augusto Ramos, ganharia um ramal próprio, a terceira linha do bondinho concentra o maior centro de escalada do país, cerca de 300 vias com diferentes graus de dificuldade.

Há vias para todos os gostos. As muito curtas, feitas sem cordas, e as longas com duração de mais de um dia diz Kika Bradford, vice-presidente da Federação de Montanhismo do Rio de Janeiro.

Rebatizados pelos cariocas, dada a semelhança com os bondes, os bondinhos ganharam design exclusivo, que lembra uma bolha ou as formas de um diamante. Ao todo, são quatro que deslizam por 2,17 minutos no trecho de 528 metros da Praia Vermelha ao Morro da Urca, e por mais 2,25 minutos nos 735 metros que levam até o Pão de Açúcar. Seis minutos arredondados, contando o entra e sai de passageiros. No início, o bondinho vindo da Alemanha era de madeira, com bancos e cortinas enfeitando as janelas. Nos anos 60, o modelo não mudou muito, mas ganhou estrutura de metal. A versão em acrílico e policarbonato chegou em 72. Os acidentes são tão raros que, quando acontecem, viram manchete. Em 2000, um susto: turistas ficaram quase uma hora presos depois que um cabo se rompeu. Não houve feridos.

Bisneto do idealizador do teleférico, o engenheiro Octavio Augusto Ramos, de 52 anos, acompanhou parte das mudanças. Desde criança, em todo aniversário do bondinho, ele vestia roupa de festa e ia com o pai, carregando flores, até o alto do Pão de Açúcar:

Era uma aventura, todos a bordo de num bondinho de madeira, muito sensível ao vento, que balançava muito. Pelas frestas do piso, dava para ver o mar lá embaixo.


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