12/05/2013 - O Globo
Aos 100 anos, bairro é o primeiro do subúrbio a ter status de Patrimônio Cultural
MAIÁ MENEZES
Marechal Hermes faz 100 anos Fábio Seixo / Agência O Globo
RIO - O casario ensina a história de um Rio que ficou ali, em Marechal Hermes. Um Rio que vê de perto o céu, que conhece os vizinhos pelo nome e que agora tem status de patrimônio cultural. O bairro é o primeiro do subúrbio da cidade a alcançar tal distinção: no dia de seu centenário, foi promovido a Área de Proteção Cultural (Apac) por decreto do prefeito Eduardo Paes.
É muita labuta pela frente. O tempo e a insistente ação de vândalos não conseguiram apagar a beleza do camafeu de seus sobrados e da arquitetura modernista que compunha com elegância a primeira vila operária do Brasil. Mas a degradação está lá.
Para o subúrbio, tem um valor muito importante. Assim como o Complexo do Alemão, com o teleférico e a pacificação, e Madureira, com o parque, Marechal Hermes pode também começar a receber turistas. Há um centro histórico importante no bairro diz o subprefeito da Zona Norte, André Santos.
Com a criação da Apac, proprietários antigos, engolidos pela crise de um comércio decadente, ganham fôlego para recuperar seus imóveis. Eles poderão pedir empréstimos para as reformas de suas casas. E que casas.
Em estilo eclético, formam um poético mosaico de cores. Cada uma com um desenho diferente em suas estruturas. Parecem cenário de filme. E foram. Schneider Bittencourt, comerciante e morador desde sempre do bairro, foi também anfitrião, durante um ano, das filmagens de Chuvas de verão, de Cacá Diegues. Era 1976, Schneider tinha 13 anos. Ainda mora na mesma casa, na Rua Engenheiro Assis Ribeiro, que foi a residência do protagonista, interpretado por Jofre Soares. A suprema felicidade (2010), de Arnaldo Jabor, também se passou nas ruas de Marechal, que, mais recentemente, foi cenário de episódios cruciais da novela Avenida Brasil. Por conta do filme de Cacá Diegues, o bairro se tornou o mais filmado dos bairros cariocas, depois apenas de Copacabana.
Nós fomos Divino por uns meses conta a produtora cultural Luiza Ratare.
Sobra céu em Marechal. Não há edifícios altos, por força de um código urbanístico que impede construções com mais de quatro andares. Ventos olímpicos sopram pelas ruas largas, vindos de Deodoro, bairro vizinho, que ganhará um complexo esportivo.
Tudo ali foi milimetricamente planejado. Na planilha de Hermes da Fonseca, presidente que concebeu, inaugurou e batizou o bairro, havia escolas, biblioteca, praça para esportes, hospitais e creche. Mais tarde, foram inaugurados teatro e cinema trocado, nos anos 1990, por uma igreja evangélica.
O papel do design é claro na cidade. Foi feito por um pensamento de tanta qualidade, que chegou até hoje de uma certa maneira íntegro. Os moradores reconhecem e valorizam isso teoriza Washington Fajardo, presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, da prefeitura.
Reconhecem e militam. Marcos Veiga, técnico de enfermagem de 54 anos, se auto-define como um cata-relíquia do bairro em que nasceu. Carrega, orgulhoso, na mala do carro, um livro que narra a história de Marechal, mortes, nascimentos, fatos relevantes, entre 1917 e 1920.
Toda hora aparece alguém dizendo: Vem cá, tenho um documento aqui em casa. Os moradores amam isso aqui compara Marcos, que durante a entrevista acenou uma dúzia de vezes para os vizinhos, que chama pelo nome.
Ali havia gosto, havia bucolismo, aristocracia. O bairro saiu da cabeça de um homem culto e bem formado. Há uma dimensão de simetria, de paralelismos. A cultura e a estética estavam no cerne do projeto. Suas ruas mantêm, como diria (Martin) Heidegger, o vigor de ter sido diz o historiador André Nunes de Azevedo.
Há música nas caixas de som fixadas em postes da Praça Montese, que exibe um garboso Marechal Hermes, em busto, devolvido a seu púlpito ano passado. Além de tocar canções, a rádio local tem a missão de divulgar aos 48 mil moradores a programação do Teatro Armando Gonzaga, propagada também na boca de ferro de carros de som alugados.
Projetado por Affonso Eduardo Reidy (o mesmo arquiteto que fez o MAM), o teatro era adornado por jardins de Burle Marx e por painéis de Paulo Werneck. Nessa fase pulsante do bairro, os jardins, já inexistentes, começaram a ser recompostos, com base no projeto original. Até o ano passado funcionando como uma companhia de dança, o teatro ficou fechado depois do incêndio na boate Kiss, em Porto Alegre. Retomou a programação no último final de semana, na expectativa de recuperar tempos áureos, quando Procópio Ferreira, Tarcísio Meira e Fernanda Montenegro subiram ao palco em Marechal. Entre as próximas atrações, a peça espírita Ave Cristo e uma apresentação do coletivo Estação Suburbana. Enquanto este fechado, amigos de violão e cantoria se reuniram em casas. Um prédio histórico e decrépito do INSS está na mira do grupo, que se apelidou de Clube da Esquina de Marechal e sonha com um centro cultural próprio.
Aos 94 anos, Ruth Rallais Motta cantou Não deixe o samba morrer na festa de cem anos do bairro, no dia 1º. Gravou um CD há dez anos e fez nascer, entre filhos e netos, uma banda, a A Teia. Ruth é a história de Marechal:
Tive uma infância maravilhosa. Andava de burrinho até a estação. Era linda a minha Marechal. Tivemos uma Miss Brasil daqui. A alta sociedade frequentava o (clube) Maran, onde aconteceu o concurso. Foi a época em que o Brasil conheceu nosso bairro.
Aos 100 anos, bairro é o primeiro do subúrbio a ter status de Patrimônio Cultural
MAIÁ MENEZES
Marechal Hermes faz 100 anos Fábio Seixo / Agência O Globo
RIO - O casario ensina a história de um Rio que ficou ali, em Marechal Hermes. Um Rio que vê de perto o céu, que conhece os vizinhos pelo nome e que agora tem status de patrimônio cultural. O bairro é o primeiro do subúrbio da cidade a alcançar tal distinção: no dia de seu centenário, foi promovido a Área de Proteção Cultural (Apac) por decreto do prefeito Eduardo Paes.
É muita labuta pela frente. O tempo e a insistente ação de vândalos não conseguiram apagar a beleza do camafeu de seus sobrados e da arquitetura modernista que compunha com elegância a primeira vila operária do Brasil. Mas a degradação está lá.
Para o subúrbio, tem um valor muito importante. Assim como o Complexo do Alemão, com o teleférico e a pacificação, e Madureira, com o parque, Marechal Hermes pode também começar a receber turistas. Há um centro histórico importante no bairro diz o subprefeito da Zona Norte, André Santos.
Com a criação da Apac, proprietários antigos, engolidos pela crise de um comércio decadente, ganham fôlego para recuperar seus imóveis. Eles poderão pedir empréstimos para as reformas de suas casas. E que casas.
Em estilo eclético, formam um poético mosaico de cores. Cada uma com um desenho diferente em suas estruturas. Parecem cenário de filme. E foram. Schneider Bittencourt, comerciante e morador desde sempre do bairro, foi também anfitrião, durante um ano, das filmagens de Chuvas de verão, de Cacá Diegues. Era 1976, Schneider tinha 13 anos. Ainda mora na mesma casa, na Rua Engenheiro Assis Ribeiro, que foi a residência do protagonista, interpretado por Jofre Soares. A suprema felicidade (2010), de Arnaldo Jabor, também se passou nas ruas de Marechal, que, mais recentemente, foi cenário de episódios cruciais da novela Avenida Brasil. Por conta do filme de Cacá Diegues, o bairro se tornou o mais filmado dos bairros cariocas, depois apenas de Copacabana.
Nós fomos Divino por uns meses conta a produtora cultural Luiza Ratare.
Sobra céu em Marechal. Não há edifícios altos, por força de um código urbanístico que impede construções com mais de quatro andares. Ventos olímpicos sopram pelas ruas largas, vindos de Deodoro, bairro vizinho, que ganhará um complexo esportivo.
Tudo ali foi milimetricamente planejado. Na planilha de Hermes da Fonseca, presidente que concebeu, inaugurou e batizou o bairro, havia escolas, biblioteca, praça para esportes, hospitais e creche. Mais tarde, foram inaugurados teatro e cinema trocado, nos anos 1990, por uma igreja evangélica.
O papel do design é claro na cidade. Foi feito por um pensamento de tanta qualidade, que chegou até hoje de uma certa maneira íntegro. Os moradores reconhecem e valorizam isso teoriza Washington Fajardo, presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, da prefeitura.
Reconhecem e militam. Marcos Veiga, técnico de enfermagem de 54 anos, se auto-define como um cata-relíquia do bairro em que nasceu. Carrega, orgulhoso, na mala do carro, um livro que narra a história de Marechal, mortes, nascimentos, fatos relevantes, entre 1917 e 1920.
Toda hora aparece alguém dizendo: Vem cá, tenho um documento aqui em casa. Os moradores amam isso aqui compara Marcos, que durante a entrevista acenou uma dúzia de vezes para os vizinhos, que chama pelo nome.
Ali havia gosto, havia bucolismo, aristocracia. O bairro saiu da cabeça de um homem culto e bem formado. Há uma dimensão de simetria, de paralelismos. A cultura e a estética estavam no cerne do projeto. Suas ruas mantêm, como diria (Martin) Heidegger, o vigor de ter sido diz o historiador André Nunes de Azevedo.
Há música nas caixas de som fixadas em postes da Praça Montese, que exibe um garboso Marechal Hermes, em busto, devolvido a seu púlpito ano passado. Além de tocar canções, a rádio local tem a missão de divulgar aos 48 mil moradores a programação do Teatro Armando Gonzaga, propagada também na boca de ferro de carros de som alugados.
Projetado por Affonso Eduardo Reidy (o mesmo arquiteto que fez o MAM), o teatro era adornado por jardins de Burle Marx e por painéis de Paulo Werneck. Nessa fase pulsante do bairro, os jardins, já inexistentes, começaram a ser recompostos, com base no projeto original. Até o ano passado funcionando como uma companhia de dança, o teatro ficou fechado depois do incêndio na boate Kiss, em Porto Alegre. Retomou a programação no último final de semana, na expectativa de recuperar tempos áureos, quando Procópio Ferreira, Tarcísio Meira e Fernanda Montenegro subiram ao palco em Marechal. Entre as próximas atrações, a peça espírita Ave Cristo e uma apresentação do coletivo Estação Suburbana. Enquanto este fechado, amigos de violão e cantoria se reuniram em casas. Um prédio histórico e decrépito do INSS está na mira do grupo, que se apelidou de Clube da Esquina de Marechal e sonha com um centro cultural próprio.
Aos 94 anos, Ruth Rallais Motta cantou Não deixe o samba morrer na festa de cem anos do bairro, no dia 1º. Gravou um CD há dez anos e fez nascer, entre filhos e netos, uma banda, a A Teia. Ruth é a história de Marechal:
Tive uma infância maravilhosa. Andava de burrinho até a estação. Era linda a minha Marechal. Tivemos uma Miss Brasil daqui. A alta sociedade frequentava o (clube) Maran, onde aconteceu o concurso. Foi a época em que o Brasil conheceu nosso bairro.