26/05/2013 - O Globo
Execução das plantas assinadas por Joseph Gire foi em 19 de fevereiro de 1921
Uma sala de jantar exclusiva para crianças, um cômodo inteiro destinado a guardar talheres, duas enormes rouparias para funcionários, três cofres ao lado do hall de entrada, e um teatro com 770 lugares coberto por um teto corrediço. Num passeio pelos traços de dez plantas arquitetônicas de 19 de fevereiro de 1921, são revelados esses e muitos outros detalhes do projeto do mais charmoso hotel da cidade. Criação do arquiteto francês Joseph Gire, o Copacabana Palace sofreu inúmeras mudanças em seus quase 90 anos, que fazem dessas plantas um convite a um hotel imaginário. Na fase mais recente de reformas, iniciada na década de 1990, os órgãos de patrimônio contaram basicamente com fotos e reportagens antigas para orientar as intervenções no hotel tombado. Não podiam imaginar que, em Campinas, um depósito da família do engenheiro Hoche Neger Segurado guardava dez grandes plantas do cinco estrelas, um verdadeiro tesouro a que a coluna Design Rio teve acesso.
O achado dos descendentes de Segurado, estagiário de uma construtora no Rio nos anos 20, chegou em 2012 à administração do hotel, que agora planeja exibir os desenhos e outros itens de seu acervo num pequeno museu interno, a ser criado. Como o jovem de Campinas teve acesso às plantas é um mistério para a neta Leda Segurado, que, junto com os irmãos, decidiu dar cópias das plantas ao hotel. Para ela, o mais impressionante foi encontrá-las em tão bom estado:
- Elas estavam no meio de um monte de plantas amontoadas, dobradas como jornal. Jamais podia imaginar que o hotel não tinha esses documentos e meu avô tinha.
Estudar o Copacabana Palace das plantas históricas é como brincar de jogo dos sete erros. Dos itens enumerados no início desta matéria, sobrou apenas o teatro, embora sem o tal teto corrediço. Desfigurado num incêndio em 1953 e depois reformado, ele está de portas fechadas desde 1994. Segundo a gerente geral do Copa, Andrea Natal, sua reabertura é o próximo grande investimento previsto pela rede Orient-Express Hotels, que comprou o cinco estrelas em 1989. Ela conta que ficou maravilhada quando viu as plantas pela primeira vez:
- Fiquei com nosso diretor de engenharia viajando no que cada espaço tinha se tornado. Onde tinha a sala de jantar das crianças, hoje, ficam os salões frontais do hotel. O cabeleireiro abriga agora parte da área executiva. O antigo cassino virou três grandes salões de festa, os salões Copacabana. Cheguei aqui em 1990 e ainda peguei a rouparia dos homens funcionando. Eram mais de mil funcionários para receber os uniformes. Havia caixinhas só para os botões dourados e para as luvas brancas. Cada um tinha que lustrar seu botões e colocar um por um no uniforme.
No jogo de comparações, curiosamente, acham-se diferenças até entre a concepção original de Gire e o hotel apresentado ao Rio em 1º de setembro de 1923 num grande baile. Da prancheta do francês, saíram, por exemplo, três cúpulas que nunca existiram. O número de janelas e o coroamento do prédio também são diferentes. Já os ornamentos clássicos nas fachadas frontal e traseira tiveram uma versão mais simples na prática. Na origem dessas mudanças de rumo, está um pouco da história da própria construção do hotel. Bisneto de Gire, o artista plástico Roberto Cabot pesquisa há cinco anos essa e outras obras do arquiteto, como o Hotel Glória e o Palácio Guanabara. Cabot reúne histórias que vão da família Guinle, primeiros donos do Copa, à lenda de um navio naufragado:
- Tem vários relatos de que a obra parou algumas vezes por falta de dinheiro. O hotel deveria ficar pronto para a comemoração do centenário da Independência, em 1922, mas não foi possível. O presidente Epitácio Pessoa, inclusive, fez um empréstimo de emergência aos Guinle. Nas correspondências do Gire para o meu avô, ele fala da falta de pagamentos dos Guinle. E tem uma história (não comprovada) de que um navio com materiais vindos da Europa afundou e Gire precisou fazer reformulações.
A arquiteta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Isabelle Cury, que integrou a comissão de obras do hotel de 1990 a 2008, também conta que a obra do Copa foi problemática:
- A maior dificuldade teve a ver com o terreno, um grande areal. O edifício era pesado e teve problemas de estrutura. Ressacas também atrapalharam. Já em relação aos ornamentos, era normal, na época, que fizessem desenhos mais rebuscados e, durante a obra, alterassem muitas coisas.
Segundo Isabelle, essa fachada menos rebuscada que virou realidade se tornou ainda mais simples na década de 1940, quando parte dos ornamentos em estilo Luís XVI foi removida para dar ares modernos ao prédio:
- Já era época da arquitetura moderna e os ornatos clássicos do Copa, prédio de estilo eclético, pareciam ultrapassados. O hotel foi muito mexido nessa fase, quando construíram a pérgula e o prédio anexo - conta Isabelle, que defende a volta de alguns dos elementos decorativos da fachada. - Desde que a Orient-Express entrou, muitas obras de modernização foram necessárias. E a recuperação da fachada e do teatro foi deixada para depois. São obras caras. Mas estamos esperando o teatro, toda a sociedade está.
Uma mudança significativa em relação ao projeto de Gire aprovada pelo Iphan aconteceu justamente na fachada. Na maior parte de sua existência, uma das marcas do Copa foi o exterior totalmente branco (uma exceção foi a versão bege dos anos 70). Mas a Orient-Express quis pintar os ornamentos da fachada de cinza e teve o aval do instituto. Isabelle espera que, numa futura obra, o branco volte a imperar.
Um dos pontos altos do projeto de Gire que chegou aos dias atuais é o planejamento da circulação nos diferentes pavimentos. As áreas de serviço e os espaços sociais, por exemplo, são, ao mesmo tempo, independentes e integrados. Segundo Cabot, essa característica rendeu elogios do mestre Oscar Niemeyer:
- O Niemeyer conheceu meu bisavô. Ele elogiou muito o plano de circulação do Copa. Achei um trecho de entrevista do Lucio Costa falando da importância do Gire no uso do concreto armado. O Copa é todo de concreto armado, algo totalmente novo na época. O Gire é uma das figuras que faz a passagem para o modernismo. O Copa de hoje é uma lembrança do hotel desenhado por ele. É normal que seja assim. A cidade e a arquitetura são coisas vivas. Mas a essência de uma arquitetura de qualidade e o glamour do Copa ficaram. São atemporais.