Rio embarca na onda da arquitetura ‘espetaculosa’

12/01/2013 - O Globo

Arquitetos criticam nova moda de construir prédios extravagantes

LUDMILLA DE LIMA

Arcos exagerados. A passarela do metrô sobre o Mangue, na Cidade Nova: exemplo de arquitetura "espetaculosa" Márcia Folleto / O Globo

RIO — Grandiosos, espelhados, quadrados e extravagantes. O boom de novas construções na cidade abre terreno para uma arquitetura cheia de adjetivos, que seria espetacular se não caísse no gosto duvidoso. A Cidade Nova está tomada de exemplos, e a Zona Portuária, rapidamente, cede espaço para projetos que caminham nessa direção. Incomodado com esse tipo de arquitetura, que parece dominar as novas propostas para a cidade, o arquiteto Luiz Fernando Janot, professor e conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), usa uma única palavra para defini-la: "espetaculosa".

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É o espetacular somado ao horroroso, explica o arquiteto. A passarela do metrô na Cidade Nova — com seus arcos exagerados sobre o Canal do Mangue — não tem espelhos, mas é campeã por ser umas das obras mais lembradas por arquitetos e urbanistas. Há, no entanto, outros projetos que seguem coladinhos na disputa pelo primeiro lugar. A última a sair do papel é o Centro Empresarial Senado, nova sede da Petrobras a partir do mês que vem, no Centro. Já as Trump Towers, do magnata Donald Trump, ainda são só um croqui na Avenida Francisco Bicalho, mas já causam polêmica.
Janot vota no novo complexo da Petrobras e nas torres do complexo empresarial previsto para o Santo Cristo, batizado de Porto Atlântico, como expoentes dessa nova arquitetura "espetaculosa" do Rio:
— Ela é espetacular, porque chama a atenção. Mas é insípida, não tem caráter, personalidade própria. A arquitetura espetaculosa tem a ver com brilhos, mármores, espelhos. É como se fosse uma mulher cheia de joias.
IAB: prédios brigam entre si
O Porto Atlântico terá seis edifícios, todos espelhados, a maior deles com 120 metros de altura — o equivalente a 40 andares. Neles funcionarão hotéis, salas comerciais e shopping. Presidente do IAB, Sérgio Magalhães diz que a ideia lançada para as torres do Donald Trump avançam na mesma tendência. O investimento de Donald Trump compreende cinco torres, com 38 andares cada. Elas foram projetadas no estilo envidraçado característico dos prédios do Grupo Trump pelo mundo. A construção das duas primeiras começa no segundo semestre deste ano, conforme fora anunciado.
O presidente do IAB aponta nas obras "espetaculosas" a falta de relação com o seu entorno e a pretensão de serem ícones. É tanta grandiosidade que as construções acabam brigando entre elas e se anulando, diz o arquiteto:
— A abundância anula a grandeza delas — explica o presidente do IAB. — São edifícios que se bastam a si mesmos. Essa premissa talvez seja a que origina as obras espetaculosas, porque não há relação de conhecimento e respeito entre vizinhos.
O artista plástico Alexandre Vogler transformou sua crítica a esse modelo de arquitetura de vidro em arte: ele reproduziu a fachada do Centro Empresarial Senado numa das paredes externas da galeria A Gentil Carioca, que funciona em um prédio do Rio antigo na Rua Gonçalves Ledo, próximo à Praça Tiradentes. A obra ganhou o nome de Retrofit.
O futuro complexo da Petrobras abrange quatro torres — uma de 20 pavimentos, outra de 18 e duas de 16, interligadas por um átrio —, cobertas de vidros espelhados. O conjunto, localizado no quarteirão formado pelas ruas do Senado e dos Inválidos, pela Avenida Henrique Valadares e pela Travessa Dídimo, é cercado por prédios históricos, como o Dops e a Igreja de Santo Antônio dos Pobres.
Elevador na berlinda
Professora de História da Arquitetura na PUC-RJ, Ana Luiza Nobre também faz uma avaliação crítica de obras conduzidas pelo poder público. Ela classifica o elevador do Cantagalo de "grotesco" e "muito violento" em relação ao ambiente e a escala miúda da favela. A moda das pontes estaiadas também entraria no hall das "espetaculosidades" do Rio.
A Cidade Nova, para Ana Luiza, está repleta de empreendimentos corporativos erguidos com base em imagens fáceis de vender, mas que não provocam uma transformação positiva no lugar. O arquiteto Pedro Rivera — ganhador, junto com Pedro Évora, do concurso para o projeto da sede do campo de golfe das Olimpíadas — diz que nenhum edifício da Cidade Nova, nem o novo Centro de Comando e Controle da Secretaria de Segurança, se salva. Ele bate na tecla do concurso público como forma dar mais qualidade à arquitetura carioca.