Processo de favelização ao lado do Liceu assusta professores e alunos

11/06/2013 - O Globo

Paredes da favela já alcançam os pilotis e a marquise do último bloco da tradicional instituição de ensino e, em breve, chegarão ao primeiro andar das salas de aula

LAURA ANTUNES

O corredor de barracos, alguns já no terceiro andar: construções ultrapassam a altura da marquise do prédio do Liceu (à esquerda) Cezar Loureiro / O Globo
RIO — Quem circula pela Cidade Nova há de concordar que esse pedaço do Rio vem abandonando, nos últimos anos, o ar da decadência ao protagonizar um boom de construções de prédios importantes. Mas nessa região também cresce uma favela "invisível", por assim dizer, aos olhos de quem passa a pé ou de carro. Instalada num terreno de 150 metros de comprimento por nove de largura, a comunidade se expande agora verticalmente e pode ser vista apenas do alto. Explica-se: ela está localizada no miolo do quarteirão formado pelas ruas de Santana, General Caldwell e Frederico Silva. Sem espaço para avançar, os imóveis começam a ganhar até o terceiro pavimento, para apreensão de professores, direção e alunos do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, tradicional instituição de ensino, que comemora seu 157º aniversário.

O Liceu se tornou, a contragosto, o "vizinho" mais próximo à favela, cujas paredes já alcançam os pilotis e a marquise do último bloco do colégio e, em breve, chegarão ao primeiro andar das salas de aula.

A proximidade é tanta que a direção do Liceu, instalado na Rua Frederico Silva, teme que um incêndio nessa comunidade cause uma tragédia de grandes proporções. Não é exagero. A energia chega aos imóveis em forma de "gatos", e a área de escape, em caso de emergência, se restringe a um corredor estreito coberto por folhas de zinco. Como as paredes dos barracos ficam a apenas um metro de distância da cozinha e da cantina do colégio, os funcionários contam ser difícil conter a invasão de ratos. Após o anoitecer, mais motivos de reclamações, desta vez em relação ao excesso de decibéis do som do pancadão do funk, que ecoa até altas horas. O problema é que o Liceu mantém turmas no período noturno.

— Parece que o som está dentro da sala. Não dá, muitas vezes, para ouvir o professor — queixa-se uma aluna.

A bem da verdade, o surgimento da favela não tão é recente, lembra o diretor do Liceu, Araken de Abreu e Silva. Na década de 50, numa intervenção urbanística, o município criou uma rua projetada (PL 1061) para ligar a Rua General Caldwell à Rua Gustavo Barroso (que até hoje é um terreno vazio junto à Rua de Santana). Para permitir a abertura da via, com 150 metros de extensão, o imóvel 194 da General Caldwell foi desapropriado. Mas, como o projeto não saiu do papel, a futura via acabou se tornando, literalmente, um beco sem saída.

— O primeiro barraco veio, depois o segundo... E, assim, foram chegando, aos poucos, outros moradores, ocupando todo o espaço da rua projetada. Em 1977, enviamos um ofício ao prefeito Marcos Tamoyo para que tirasse o projeto do papel, impedindo o avanço da ocupação irregular. De nada adiantou — conta Araken, lembrando, apreensivo, de um episódio traumático — Nunca houve invasões à área do colégio, mas há alguns anos, durante uma perseguição de PMs a um bandido, ele entrou na comunidade e tentou fugir de lá pulando o muro do nosso colégio. Ainda quebrou a vidraça da cantina, mas não conseguiu entrar, felizmente.

Muitos pedidos sem resultado
Myriam Freire Dias Costa, presidente da Sociedade Propagadora das Belas Artes, mantenedora do Liceu, faz coro com o diretor. Segundo ela, ao longo dos últimos anos, a instituição pede providências a órgãos municipais e estaduais, sem sucesso:

— Quem vem aqui e se depara com a situação fica chocado, diante dos riscos de uma tragédia, pois as condições de moradia dessas pessoas são precárias e indignas. Porém, nada é feito. Entre as autoridades as quais já recorremos está o ex-secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, mas continuamos na mesma situação. Nossa reivindicação é que as famílias sejam assistidas e reassentadas.
Apesar de ter cerca de 40 imóveis, a comunidade cresce, verticalmente, longe dos olhos da população. Cercada por uma vila residencial, o Liceu, um estacionamento e o Colégio estadual Júlia Kubitschek, a favela tem apenas uma entrada — pela Rua General Caldwelll.
Procurada pelo GLOBO para informar se há plano de reassentamento dos moradores da comunidade, a Secretaria municipal de Habitação, por nota, limitou a dizer que "tem como prioridade, em termos de reassentamento, tirar do risco, até 2016, todas as famílias que vivem em áreas de alto risco de encostas", sem citar a favela em questão.

Já a Secretaria municipal de Urbanismo, questionada sobre a longa demora na abertura da rua projetada, informou, também em nota, que "o Projeto Aprovado de Alinhamento (PAA) foi modificado. O PAA em vigor prevê traçado para a Rua Gustavo Barroso começando na Rua Santana e terminando na Frederico Silva", sem informar o destino do restante do terreno.

Com 157 anos de fundação, o Liceu funcionou por 25 anos num belo casarão da Avenida Rio Branco, onde recebia visitas de Dom Pedro II e Rui Barbosa, entre outras personalidades da História. Hoje, a instituição de excelência tem 700 alunos, da creche ao Ensino Médio.

— Se não há mais interesse em abrir a rua projetada, o poder público poderia, pelo menos, transformar esse espaço em área de lazer para nossos alunos e os do Júlia Kubitschek — sugere o diretor do Liceu.