Caminho sem volta: a cidade sem a Perimetral

03/11/2013 - O Globo

Oitenta metros vão ao chão. Tempo para ir ao Centro subirá mais de 30%

EMANUEL ALENCAR (FACEBOOK - TWITTER)
04/11/2013 - 06h51

Ciclista observa demolição de um dos primeiros trechos da Perimetral neste domingo Eduardo Rodrigues / O Globo
RIO - Sem aviso prévio, a prefeitura demoliu neste domingo dois trechos de 40 metros de comprimento das pistas do Elevado da Perimetral: um vão na altura do Armazém 7 do Cais do Porto e outro na da Rua Rivadávia Corrêa, a uma distância de 240 metros do primeiro. A demolição começou já na noite de sábado e seguiu domingo adentro. Retirado o asfalto, o concreto foi ao chão, sobrando apenas pilares e vigas de aço.

Isso impede qualquer passagem de veículo e decreta, definitivamente, o fim da utilização de um trecho de 1,7 quilômetro do elevado, da Rodoviária Novo Rio à Rua Silvino Montenegro, na Gamboa. A prefeitura reconheceu que não informou à imprensa com antecedência que esses trechos seriam demolidos, mas garantiu que a ação estava prevista. Sem a Perimetral, a estimativa da própria prefeitura é que o tempo que os cariocas levarão para chegar ao Centro aumentará em 30% e até mais que isso, pelo menos nos primeiros dias.

De acordo com a Concessionária Porto Novo, essa operação era necessária para garantir que a implosão do primeiro trecho da Perimetral preserve a integridade daquele que, inicialmente, será mantido: da Praça Mauá às proximidades do Aeroporto Santos Dumont. A prefeitura usará três métodos para derrubar o elevado: implosão (com uso de dinamite), demolição e desmonte. O cronograma e as características do desmantelamento de cada trecho serão divulgados nos próximos dias.

Para segunda-feira, primeiro dia útil sem a Perimetral, a prefeitura prometeu um esforço concentrado para garantir a fluidez do trânsito. Segundo o secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osorio, o tempo de percurso para quem passa na Região Portuária deve aumentar em 30%, mas a situação hoje deve ser um pouco pior:

Nosso planejamento é que o tempo de viagem demore 30% a mais. Amanhã, entretanto, teremos mais dificuldades, e essa meta não será cumprida. O ideal é que o motorista que não tenha o Centro como destino final evite passar pela região. E quem puder deve optar por barcas, trens e metrô. São as melhores opções.

Nos outros seis vãos entre os dois trechos demolidos, não haverá retirada prévia do concreto, que será implodido junto com as vigas de sustentação do elevado. Durante este domingo, o trânsito não apresentou grandes problemas nas vias alternativas. Houve apenas algumas retenções nos sinais de trânsito, principalmente nas proximidades da Rodoviária Novo Rio.

Reforço de trens, barcas e metrô

O prefeito Eduardo Paes reconheceu, porém, que será uma semana complicada e que os motoristas precisarão ter paciência no deslocamento para o Centro. Paes fez uma avaliação positiva do primeiro dia de funcionamento da Via Binário do Porto, em um domingo de sol. A nova via, de fato, não registrou congestionamentos.

Quero refazer o apelo para que o carioca prestigie o transporte público e a carona solidária. Esta primeira semana será mais complicada. O trânsito fluiu bem hoje. Mas é obvio que o fechamento da Perimetral causará problemas e impactos disse o prefeito, durante inspeção das intervenções na Perimetral, no início da tarde de domingo.

O presidente da Concessionária Porto Novo, José Renato Ponte, afirmou que, no prazo de uma semana, serão retirados 3.560 metros cúbicos de asfalto da Perimetral, o suficiente para encher uma piscina olímpica e meia. O material será reciclado e usado em obras pela cidade. Na manhã de ontem, foi intenso o vaivém das máquinas fresadoras hidráulicas, que raspavam o asfalto da Perimetral.

O concreto e o asfalto serão encaminhados à usina da prefeitura em Jacarepaguá. O aço também será reutilizado disse Ponte.

Trens, barcas e metrô anunciaram esquema especial para atender a mais usuários. Segundo a CCR Barcas, há mais dois mil lugares nos horários de pico (das 7h às 10h e das 16h20m às 20h), representando um aumento de 11.800 para 13.800 lugares. A SuperVia, por sua vez, colocará mais dois trens nos horários de pico, a partir de São Cristóvão, ampliando a capacidade em 4.800 passageiros. Já a Rio Ônibus deve aumentar em 20% a frota que parte da estação de São Cristóvão. Em Deodoro, a frota passará a circular com 100% dos veículos. Ao Metrô, caberá ampliar em 40 mil a capacidade nos horários de pico.

Passageiros de ônibus ainda têm dúvidas sobre novos itinerários

O secretário Carlos Roberto Osorio passou a manhã deste domingo conversando com passageiros de ônibus e empresários do transporte público no entorno da Rodoviária Novo Rio. Quem passava no local expunha suas dúvidas sobre as mudanças no trânsito e nos pontos de ônibus em decorrência da inversão da mão das ruas Cordeiro da Graça e Santo Cristo (no chamado de Binário II), que desde hoje têm o sentido Rodoviária-Centro.

Apesar de 250 agentes atuando na área, a vendedora Ivandir Vasconcelos, de 84 anos, teve dificuldades de encontrar o ponto da linha 126 (Rodoviária-Copacabana), deslocado para o Terminal Padre Henrique Otte. Ela contou que teve de andar 300 metros, já que o motorista não a comunicou sobre as alterações:

Está muito confuso. O motorista só falou: Desce aí. É muito desrespeito.

Dez linhas municipais e mais 86 intermunicipais deixam de passar em frente à Novo Rio, entrando agora na Rua Santo Cristo (Binário II) para seguir em direção ao Centro.

Detro prevê maior engarrafamento da história

O presidente do Departamento estadual de Transportes Rodoviários (Detro), Rogério Onofre, disse no domingo que o órgão prevê para a manhã de segunda-feira o maior nó no trânsito já registrado no Brasil. Responsável pela fiscalização dos ônibus intermunicipais, que transportam diariamente cerca de dois milhões de passageiros para o Centro do Rio, Onofre chamou o prefeito Eduardo de Paes de irresponsável por ter adiantado a derrubada da Perimetral.

Não deveriam ter começado a derrubada do elevado antes de saber se o plano para reduzir os transtornos deu certo ou não. Caso dê errado, haveria uma alternativa, reabrindo a Perimetral até que se encontrasse uma solução que não sacrificasse tanto a população disse Onofre. Sempre fomos contra derrubar a Perimetral antes da avaliação dos impactos. Destruir o elevado antes do previsto é uma irresponsabilidade.

Ele informou que todos os técnicos do Detro estarão mobilizados, desde a madrugada de segunda-feira, para produzir um relatório sobre os impactos da mudança. O documento será entregue ao governador Sérgio Cabral às 10h.

São 70 mil veículos que passam diariamente pela Perimetral. A previsão dos nossos técnicos indica que teremos na segunda-feira (o maior engarrafamento da história do país, se não do mundo. Estou torcendo para que a nossa previsão esteja errada e que a dos técnicos da prefeitura esteja certa afirmou o presidente do Detro.

Críticas de associação

A demolição de parte da Perimetral também surpreendeu o presidente da Associação dos Usuários de Transportes Coletivos de Âmbito Nacional (Autcan), Waldir Cardoso, que não poupou críticas à prefeitura:

O prefeito não podia antecipar a demolição antes dos testes efetivos, como estava previsto no plano. Os testes feitos até agora não têm valor porque aconteceram em dias de reduzido fluxo de tráfego. A situação real vai acontecer somente nesta segunda-feira, quando dois milhões de usuários de ônibus vão tentar chegar ao Centro.

Especialistas fazem suas análises e previsões

De acordo com Miguel Bahury, ex-secretário municipal de Transportes, esta semana será crucial não só para que os motoristas se adaptem às alterações de trajeto, em função do fechamento da Perimetral, bem como para que as autoridades avaliem se as medidas implementadas serão suficientes para minimizar os impactos ao trânsito.

Por mais simulações que tenham sido feitas, o que vai ocorrer é imprevisível. Não dá para dizer que tudo vai dar certo. Uma reavaliação poderá indicar a necessidade de mais mudanças. É bom lembrar que grandes intervenções urbanas sempre geram transtornos ao trânsito. Um simples carro enguiçado no Túnel Rebouças ou no Bárbara já afeta a circulação diz Bahury. Vamos ter que conviver com dificuldades. Haverá reflexos em toda a cidade, e não apenas na Região Portuária, mesmo com as rotas alternativas. Não tem jeito. A prefeitura está correta quando pede que as pessoas usem o transporte público, evitando se deslocar de carro para o Centro. É preciso usar o transporte público. Há três meses, quando saio para dar aulas no Centro vou de metrô, porque se não é o trânsito de obra é o de manifestação.

Já José Eugênio Leal, professor de engenharia de transportes da PUC, afirma que viu várias simulações do projeto e acha que há um número de alternativas razoável.

Mas elas têm a mesma capacidade da Perimetral? Aparentemente, não. A grande questão é como vai ser o comportamento nesse momento inicial, que depende da informação das pessoas. Uma coisa é você ter dificuldade, saber o caminho que tem que tomar. Outra, é não saber os caminhos. Pode demorar um pouco a população se dar conta dessas mudanças. Só depois de isso estar estabilizado é que saberemos o impacto real em cima do tráfego diz o especialista. A gente não sabe ainda o impacto e nem qual será a reação da população sobre a sugestão da prefeitura de usar mais transporte público. Não é garantido que vai ter caos total. Mas, até em função da falta de informação, deve haver congestionamentos grandes. Não sei se foi pensada a inclusão desses novos caminhos nos sistemas GPS e Google. Ajudaria muito se as pessoas tivessem, nesses sistemas e nos smartphones, as novas rotas. Bom também seria se painéis nas ruas indicassem claramente as vias.

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