Com fiscalização precária, número de construções cresce em comunidades com UPPs no Rio


Secretário de Segurança se queixa da desordem urbana e cobra da prefeitura controle mais efetivo da verticalização

POR LUIZ ERNESTO MAGALHÃES E VERA ARAÚJO

08/01/2015 - O Globo


No alto do Morro Dona Marta, em Botafogo, o surgimento de mais um imóvel na comunidade onde há uma UPP: obra em ritmo acelerado - Domingos Peixoto / Agência O Globo

RIO — O estacionamento da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do alto do Morro Dona Marta, em Botafogo, se transformou num depósito de material de construção. De diferentes donos, tijolos e montes de areia são separados por uma linha imaginária para evitar confusão entre os moradores que expandem suas casas, embalados pela especulação imobiliária. A cena é uma prova de que o Dona Marta, assim como boa parte das favelas com UPPs — ao todo são 38 no município beneficiando 1,5 milhão de habitantes —, está crescendo verticalmente de maneira desordenada.

Na última sexta-feira, ao inaugurar uma companhia da Polícia Militar no Morro do Banco, no Itanhangá, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, se queixou da desordem urbana nas comunidades com UPP (o que vem atraindo novos moradores) e cobrou a atuação mais efetiva da prefeitura do Rio. Segundo ele, de seis anos para cá, desde que foi inaugurada a primeira unidade, no Dona Marta, já foi necessário aumentar em um terço o efetivo nas áreas com pacificadoras.

Em meio à polêmica, o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) deixou de atualizar o mapeamento da cidade por meio de fotos aéreas, sistema utilizado desde 1999 e que permite detectar a expansão das comunidades. O IPP, porém, nega ter deixado de acompanhar esse crescimento. Os últimos arquivos disponíveis no órgão são de 2013. Em nota, o IPP informou que os técnicos trabalham com um detalhamento cartográfico mais profundo: "É a primeira análise realizada que não excluiu nenhuma das favelas do Rio. O trabalho, muito longo e minucioso, vem sendo feito desde o início de 2014. O estudo permitirá que tenhamos o controle sobre a área ocupada pelas favelas."

O presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, concorda com Beltrame. Segundo ele, a implantação de barreiras físicas, conhecidas como ecolimites, evitou que o Morro do Banco se expandisse horizontalmente. Mas para ele, há uma falta de controle na verticalização:

— O Morro do Banco é um exemplo mais visível, por conta da nova unidade da PM. De um lado, a Justiça deveria ser mais severa para conter as expansões, agindo nas comunidades como trata as construções irregulares no asfalto. Do outro lado, o poder público tem que ser mais efetivo. Mas, muitas vezes, esse controle não se dá efetivamente por interesses políticos.

A coordenadora do Itanhangá Leste (associação que reúne condomínios, clubes e colégios do bairro), Maria Luísa Mascarenhas, também diz que o Morro do Banco cresce de forma desenfreada:

— A todo momento, chegam caminhões com tijolos e cimento. Isso é pura especulação imobiliária. A comunidade conta com um Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso), que deveria fiscalizar isso. Porém, na minha avaliação, não está funcionando como deveria.

POUSO, ALVO DE CRÍTICAS NO VIDIGAL

As queixas em relação aos Pousos também encontram eco em líderes comunitários. O presidente da Associação de Moradores do Morro do Vidigal, Marcelo da Silva, cobra ações mais efetivas:

— O técnico do Pouso circula, de fato, pela comunidade. Mas, na prática, perde muito tempo em notificações verbais e por escrito, enquanto as novas construções adensam ainda mais o Vidigal. O embargo deveria ser de forma mais efetiva. O poder público não pode alegar não ter condições de segurança para agir no Vidigal, pois tem UPP.

Em nota, a Secretaria municipal de Urbanismo explica que os Pousos estão em operação e são responsáveis por licenciar unidades habitacionais e fiscalizar obras irregulares. Atualmente, há 32 Pousos atendendo a mais de 80 comunidades, o que representa cerca de 110 mil domicílios.

Muitas dessas comunidades com Pousos têm UPPS e também contam com legislação urbanística específica. Os regulamentos definem, por exemplo, gabaritos e o tipo de atividade permitida em cada área da comunidade, o que não impede o crescimento desordenado. Procurado à tarde pelo GLOBO, por meio de sua assessoria, o prefeito Eduardo Paes não se pronunciou.


Morador carrega um saco de cimento no Dona Marta: crescimento vertical desordenado - Domingos Peixoto / Agência O Globo

O vaivém de material de construção pelos becos do Dona Marta e da favela da Babilônia, no Leme, é constante. A moradora Rose de Carvalho, de 36 anos, nascida no Dona Marta, herdou, com o irmão, uma casa, no ano passado. A solução para resolver o impasse familiar foi construir mais um imóvel de dois andares no minúsculo terreno.

— A casa era muito pequena. Somos crias daqui e não queremos deixar o morro — explica Rose, que diz respeitar o gabarito de dois andares.

O vizinho Júlio dos Santos também constrói uma casa, para uso próprio, sobre uma laje. Alguns moradores, no entanto, vendem suas lajes para terceiros. Por lá, um imóvel, por exemplo, de quarto e sala sai, em média, por R$ 70 mil. Já na Babilônia, casa semelhante chega a R$ 350 mil.

ECONOMISTA: 'CRESCIMENTO ESPECULATIVO'

Na avaliação do economista Sérgio Besserman, o fenômeno do adensamento de comunidades com UPPs tem que ser observado com cuidado, para evitar generalizações:

— Não creio que a repressão ao adensamento tenha que ser em cima do morador, cuja laje da casa, na verdade, é uma espécie de caderneta de poupança. Será nessa laje que ele investirá economias para a construção de dois quartos para alugar e ter uma renda ou para o filho morar. O que deve ser reprimido é o crescimento puramente especulativo: pessoas que sequer moram no local e constroem, seja por uma simples especulação imobiliária ou para manter algum esquema de lavagem de dinheiro, com as novas edificações.

Para a presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Ipanema, Ignez Barreto, o sucesso das UPPs, a longo prazo, está diretamente ligado à política de regularização urbanística e fundiária:

— Quando o morador se sentir dono realmente daquele pedaço de terra, acontecerá que nem no asfalto. Os próprios vizinhos de quem constrói de forma irregular vão pressionar para que as obras sejam paralisadas, além de denunciá-los.

Para a presidente da Federação das Associações de Moradores do Rio, Sônia Rabello, é preciso uma avaliação mais aprofundada sobre as consequências desse adensamento.

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