20/07/2015 - O Globo
No estado, cerca de 16 mil famílias recebem o benefício, que varia de R$ 400 a R$ 500. Tempo máximo é de 12 meses
POR CAIO BARRETTO BRISO E LUIZ GUSTAVO SCHMITT
RIO — Antes de o portão ser aberto, um par de OLHOS surgiu por trás da persiana.

— Estão comigo — disse Rony, do lado de fora. A porta rangeu ao correr, e um senhor magro, sem camisa, olhou desconfiado.
Parecia um acampamento de refugiados: famílias inteiras vivendo em salas de escritório com 10m². O edifício comercial na Zona Portuária virou moradia após ser abandonado. Para não chamar a atenção das autoridades, as janelas foram vedadas.
É nesse ambiente escuro que, desde o ano passado, vive o transexual Rony Clay Silva, de 47 anos. Com o dinheiro público do ALUGUEL social, ele paga R$ 400 mensais aos que chegaram primeiro. Sua casa cheira a mofo. No lugar do vaso sanitário, um balde. A história de Rony, desapropriado do Morro da Providência, no Centro, é uma entre as de cerca de 16 mil famílias que recebem o benefício no Rio — mais de 12 mil estão no cadastrado do governo estadual e o restante, no do município.
Despejado pelas obras de urbanização da Providência, Rony hoje usa seu ALUGUEL social num espaço de 10m² sem banheiro - Antonio Scorza / Agência O Globo
— Eu não vivo, eu sobrevivo. Já peguei tuberculose três vezes, não dá para descrever os lugares onde tive que morar desde a desapropriação. Estou há oito anos aguardando minha casa. Prometeram que seria em um conjunto habitacional aqui perto, na Rua Nabuco de Freitas, mas a obra parou na metade — afirma Rony.
Pago mensalmente a pessoas que foram removidas de suas casas, o valor, que varia de R$ 400 a R$ 500, tem sido usado de maneira questionável pelo governo estadual e pela prefeitura (são cadastros distintos). Segundo decretos de 2010 e 2013, o tempo de inclusão no programa não deve ultrapassar os 12 meses. Mas quem foi expulso da residência por desastre natural, por viver em área de risco ou porque estava no caminho de alguma obra pública tem esperado muito mais tempo pelo apartamento prometido.
TRAGÉDIA NA SERRA: QUATRO ANOS DE ESPERA
Nem tragédias aceleram a entrega de novas moradias. Até hoje, 180 famílias atingidas pelos deslizamentos em Angra dos Reis, no réveillon de 2010, recebem ALUGUELsocial. Sobreviventes do Morro do Bumba, em Niterói, que deslizou em abril do mesmo ano, também estão incluídos no programa, com dois mil beneficiários.
O quadro é pior na Região Serrana: 3.579 famílias vivem do benefício até hoje, mais de quatro anos após o maior desastre climático da história do país, que deixou 918 mortos e 215 desaparecidos.
Todo mês, estado e município gastam R$ 6,6 milhões com ALUGUEL social. Valor suficiente para construir, anualmente, um conjunto habitacional como o Frei Caneca, onde vivem quatro mil pessoas em 998 apartamentos.
O problema não é o pagamento em si, mas o fato de o ALUGUEL social, originalmente provisório, ter se tornado uma política de habitação permanente em um estado com déficit habitacional de aproximadamente 400 mil residências, segundo estudo da Fundação João Pinheiro (FJP). O levantamento mostra que o déficit aumentou 8% na capital entre 2011 e 2012 (números mais recentes divulgados).
Longe de uma solução, 583 famílias desapropriadas pelo estado há cinco anos na Favelinha da Skol, em Inhaúma, lutam para encontrar um imóvel que caiba no bolso.
— Até em favela é difícil de achar uma casa por R$ 400. Consegui por R$ 550 um quarto, sala e banheiro numa comunidade no Engenho da Rainha. É precário, mas é o que dá pra pagar. Muitos foram para área de risco novamente — conta a desempregada Talita Ximena, que mora com os dois filhos.
Talita e outros moradores da Favelinha da Skol deveriam ter recebido apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida. Contudo, o terreno onde seria construído o condomínio virou um lixão, sem SINAL de obras.
Muitos dos removidos encontraram abrigo em barracos à beira de um córrego, onde o esgoto é a céu aberto, na perigosa Fazendinha. ALUGAR um apartamento conjugado no Complexo do Alemão hoje custa R$ 700 por mês.
De acordo com a Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, 70% das famílias cadastradas recebem R$ 400 mensais, valor que não sobe há pelo menos cinco anos. No mesmo período, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 41,68% no Rio. O cálculo foi feito pelo economista Mauro Osório a pedido do GLOBO.
— O ALUGUEL social deveria, pelo menos acompanhar, a inflação. É preciso priorizar a política habitacional, caso contrário essas pessoas darão o seu jeito. Assim nascem ocupações precárias e crescem as favelas — afirma Osório.
A Empresa de Obras Públicas do Rio de Janeiro (Emop) informou que as famílias desapropriadas na Skol serão contempladas com moradias em um condomínio com 1.140 apartamentos, a ser construído no Complexo do Alemão, como parte do programa Minha Casa Minha Vida.
A Emop não informou os prazos de início e conclusão da obra, mas explicou que o projeto do empreendimento está em fase de aprovação junto aos órgãos municipais — o que deve levar cerca de seis meses. Até que as obras fiquem prontas, pelo menos mais um ano deve se passar.
'ESTAMOS TENTANDO LOCALIZAR RONY'
A Secretaria estadual de Obras afirma que estão em construção 3.245 moradias para famílias que recebem ALUGUEL social. Segundo a pasta, 6.523 imóveis foram entregues desde 2007.
Já a Secretaria municipal de Habitação afirma que reassentou, entre 2009 e 2015, 22.059 famílias. Desse total, 15.937, o equivalente a 72,2%, haviam sido retiradas de casa por viver em áreas de risco.
Sobre o caso de Rony, citado no início desta reportagem, a secretaria informa, em nota, que seu nome consta no cadastro da prefeitura há quatro anos. E o texto dá uma notícia surpreendente: já há uma casa disponível para ele. "Rony será beneficiado com uma moradia no Programa Morar Carioca, na Rua do MONTE, no Centro. No momento, estamos tentando localizá-lo", diz a nota.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/criado-para-ser-solucao-temporaria-de-moradia-aluguel-social-se-estende-por-anos-16861178#ixzz3gX0qQl1o
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