18/06/2017 - O Globo
Na região, sobram buracos nas ruas, calçadas sem manutenção e obras inacabadas

No Santo Cristo, imóveis malconservados têm como vizinhos prédios novos que estão com baixa ocupação - Márcia Foletto / Agência O Globo
POR SELMA SCHMIDT
RIO — Buracos nas ruas, calçadas sem manutenção, obras inacabadas. Depois de protagonizar uma das mais importantes transformações urbanísticas da cidade, o Porto, que ganhou a alcunha de Maravilha e passou a disputar com a orla da Zona Sul a atenção dos turistas, vive dias de incertezas. Todas as mudanças que deram novo colorido a uma das regiões mais antigas do Rio estão ameaçadas pela crise econômica. Desde o início, em 2011, a “plástica” que devolveu a cariocas e turistas a visão da Baía de Guanabara em pleno Centro — além de gerar atividades de lazer e cultura — já consumiu R$ 5 bilhões. Parte do dinheiro brotou como mágica de uma ideia que parecia inovadora: empresas comprariam da Caixa Econômica certificados para construir na área, e o banco, por sua vez, reverteria parte dos recursos para revitalizar cinco milhões de metros quadrados nos bairros do Santo Cristo, da Gamboa e da Saúde. Mas, desde janeiro, a fonte secou.
Empreendimentos imobiliários do Porto seguem com salas e lojas vazias
Como os ventos econômicos mudaram de direção, caiu consideravelmente a venda desses papéis milagrosos, que têm nome pomposo: Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs). O problema é que, para manter todas as “maravilhas”, a concessionária Porto Novo — que firmou com a prefeitura uma parceria público-privada (PPP) para fazer obras, a manutenção e a operação da Zona Portuária — vai precisar de mais R$ 5 bilhões nos próximos oito anos e meio. Quem acreditou no projeto já vê sinais de que as coisas não são mais como antes.
— Perguntei a um engenheiro da concessionária quando iriam concluir o Largo José Francisco Fraga, no Santo Cristo, e ele me disse que não sabia, porque o dinheiro acabou — conta Denísio Santos, que há 15 anos é dono de um bar na esquina da Rua Equador, bem perto da garagem do VLT.
A REALIDADE DA ZONA PORTUÁRIA
O largo está abandonado: a calçada e o pavimento não foram concluídos. Em vez de área de convivência, só lhe restou ser usado, precariamente, como estacionamento. Improvisos que vão comprometendo as belezas. Afinal, com os tais certificados, seriam pagas as despesas com obras e a manutenção de áreas verdes e praças, de iluminação, de sinalização de trânsito e até mesmo de limpeza. As calçadas também dependem desses recursos. Intervenções grandes, como a revitalização da Avenida Francisco Bicalho, estão adiadas até segunda ordem.
Desde o dia 10 de janeiro, a Porto Novo, formada pelas construtoras Odebrecht, OAS e Carioca, está sem receber e tem se limitado a realizar serviços de manutenção e operação. O fundo da Caixa Econômica que adquiriu, em leilão, todos os Cepacs emitidos pelo município para revendê-los a interessados em construir acima da metragem quadrada de seus terrenos, se declarou sem liquidez, devido à falta de compradores. Com isso, o fundo não leva adiante a obrigatoriedade de fazer os repasses mensais para as obras e a manutenção da infraestrutura.

Buracos próximo à linha do VLT na Zona Portuária - Márcia Foletto / Agência O Globo
Prefeitura não assumirá gastos
Diante do impasse, o atual presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio (da prefeitura), Antonio Carlos Mendes Barbosa, deixa claro: o órgão não irá recomprar Cepacs para assegurar recursos para a concessionária. Ele alega que a medida não foi incluída no orçamento da prefeitura de 2017 e que, caso fizesse isso, poderia responder criminalmente. Barbosa diz que os preços dos certificados passaram de R$ 545 (no momento do leilão) para R$ 1.706. Se fosse aplicado o IPCA de 2011 a 2017 (51,55%), os Cepacs valeriam hoje R$ 825,96. Entretanto, tiveram uma valorização de 313%. O reajuste acima da inflação só contribuiu para aprofundar o desinteresse pelo produto.
Dos 6,4 milhões de certificados adquiridos pelo fundo da Caixa, apenas 8,79% foram vendidos até hoje. Ou seja, ainda há um estoque de 5,87 milhões (91,2%) para serem comprados.
— Já existe uma dívida de R$ 80 milhões este ano com a Porto Novo. Se a Caixa não pagar, a concessionária vai acabar parando. Pode suspender a varredura de ruas, a coleta de lixo, o controle do tráfego e dos túneis. Por enquanto, a Porto Novo está fazendo a manutenção e a operação. Eles têm interesse em fazer. É a maior PPP do Brasil. Mas até quando vão suportar? O Porto está ameaçado. Essa Praça Mauá, que está bonita e tem âncoras (o Museu do Amanhã e o Museu e Arte do Rio) pode se deteriorar. A Caixa quer que eu pague, mas não posso assumir — defende o presidente da Cdurp.
A recompra de Cepacs chegou a ser proposta pelo ex-prefeito Eduardo Paes, por meio de uma emenda modificativa ao projeto orçamentário, em 2 de dezembro de 2016, no valor de R$ 189 milhões apenas para 2017. No entanto, a operação não foi aprovada pela Câmara. Mesmo sem o aval do Legislativo, foi assinado em 28 de dezembro o 12º aditivo ao contrato da operação urbana, assegurando um aporte financeiro que totaliza R$ 219 milhões até julho de 2018.
— Para viabilizar a liquidez do fundo da Caixa, a solução encontrada foi recomprar os Cepacs. Outro interesse nosso foi garantir um estoque para a construção de habitações populares. Mandamos a proposta para a Câmara. Se o Legislativo não aprovou, não podemos fazer nada — alega Alberto Silva, ex-presidente da Cdurp. — O fato é que o país está passando por uma crise. Não tem nada acontecendo neste momento econômico. Mas não tenho dúvida de que o mercado vai reaquecer, o Porto Maravilha tem um futuro promissor.
O ex-prefeito Eduardo Paes, procurado desde terça-feira da semana passada por meio de sua assessoria, optou pelo silêncio.
Os problemas vêm se arrastando. Em maio do ano passado, o fundo da Caixa decretou falta de liquidez até julho de 2018. Ao mesmo tempo, foi acertado que a Porto Novo suspenderia as obras, se limitando a fazer a manutenção e a operação da área. Naquele mês, a Cdurp assinou o 11º termo aditivo para a recompra de Cepacs, o que só acabou se concretizando em 10 de janeiro deste ano com um repasse de R$ 62,5 milhões para a concessionária. O aporte quitou débitos do segundo semestre de 2016. Foi a última parcela paga.
— Hoje, a manutenção não é feita direito. Basta olhar os buracos nas ruas e as calçadas que não foram refeitas — reclama a moradora Maria de Jesus Soares.
Placas de “aluga-se” e “vende-se”

Falta de financiamento e a crise econômica prejudicam a revitalização do Porto do Rio - Márcia Foletto / Agência O Globo
Dono há um ano do restaurante Sabor Brasil, na esquina das ruas Comendador Évora e Santo Cristo, José Roberto Rufino de Abreu engrossa a lista dos descontentes. Ele reclama que não concluíram a pavimentação da Comendador Évora nem colocaram um ralo no cruzamento com a Equador.
Sem perspectivas, placas de “aluga-se” e “vende-se” são cada vez mais comuns. Só no trecho entre o Largo José Francisco Fraga e a Rua Equador havia oito delas, na última quarta-feira.
— Estamos tentando alugar o galpão, com 2.500 metros quadrados, há um ano. Baixamos o preço, de R$ 20 mil para R$ 12 mil, mas não encontramos interessados. Fizemos uma reforma e nada — diz Washington Luiz Brito, administrador do imóvel.
Dono de um outro galpão, Paulo Roberto Mattos está tentando vender o imóvel há dois anos:
— Não aparece comprador. Agora, então, que suspenderam as obras...
Em nota, a Porto Novo se limita a dizer que “cumpre rigorosamente todas suas obrigações contratuais e reconhece que “a situação, hoje, é bastante complicada; desta forma, não pode seguir sem solução”. O prefeito Marcelo Crivella e o presidente da Cdurp estiveram na semana retrasada na presidência da Caixa. Por e-mail, o banco informa somente que “mantém agendas constantes com os participantes do projeto Porto Maravilha, investimento de impacto relevante na cidade do Rio e, naturalmente, de desafios constantes”. Além disso, afirma ter uma estrutura dedicada integralmente ao projeto, no Rio, e que as obrigações assumidas em decorrência de leilão (de Cepacs) foram cumpridas e podem ser objeto de novos acordos.
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