O Bairro Carioca

13/11/2011 - O Globo, Ystatille Freitas

Projeto de empreendimento popular propões novo conceito arquitetônico e urbanístico

Entre amendoeiras, pés de jabuticaba, jasmim e goiaba nasce no Rio um empreendimento popular com traços arquitetônicos e urbanísticos que fogem aos modelos tradicionais. É o Bairro Carioca, projeto da prefeitura do Rio, que está sendo erguido no antigo complexo da Light, em Triagem. Inserido no programa Minha Casa, Minha Vida, para famílias com renda até R$ 490, o Carioca integra antigas edificações da empresa de energia a novas construções para 2.240 moradias. A idéia é, com a preservação do passado, garantir aos moradores infraestrutura de bairro e suporte à cidadania.

Antigos galpões mantêm o vínculo com o espaço

- A preservação da memória e da diversidade arquitetônica contribui para despertar o vínculo com o lugar - diz o arquiteto Celso Rayol, diretor da STA Arquitetura, um dos escritórios responsáveis pelo projeto.

- Por que não poderíamos erguer um bairro popular que tivesse os pavilhões da Light como elementos norteadores?

O prédio central, que abrigava os escritórios da companhia de energia - com fachada de pedra, salas revestidas de madeira e contornado por árvores exóticas - será transformado em um centro cívico e cultural, que vai oferecer cursos de capacitação. Este tipo de equipamento, de acordo com a arquiteta e urbanista Cristiane Guinâncio, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UNB), é bem diferente da maioria dos projetos que estão sendo construídos dentro do Minha Casa, Minha Vida:

-  Um centro cívico remete à proposição de uma praça central, que favorece o encontro, com potencial para promoção e fortalecimento de laços sociais na comunidade. Não se vê este tipo de equipamento em muitos projetos de habitação popular.

Além da edificação principal, outros galpões do complexo ganharão funções: as de escola, creche, mercado e centro esportivo. O projeto procura valorizar a ambiência, recuperando detalhes arquitetônicos. Para o vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (TAB), Pedro da Luz, esse aproveitamento das construções é uma forma de valorizar um empreendimento e a cidade:

-  Há muitos projetos do Minha Casa, Minha Vida que expandem o perímetro urbano sem trazer qualquer benefício à paisagem ou qualidade de vida aos novos moradores. Dar usos aos galpões está em sintonia com o pensamento contemporâneo de aproveitar estruturas existentes.

Cristiane faz coro com o colega e acrescenta como ponto positivo o fato de o empreendimento estar dentro da malha urbana.

- É positiva a inserção das famílias em áreas centrais da cidade, providas de infraestrutura e acessíveis às oportunidades de trabalho e serviços - opina a arquiteta, para quem entretanto, os prédios residenciais poderiam ter desenhos diferentes entre si, reproduzindo padrões da cidade.

Mas todos os edifícios do Bairro Carioca têm os apartamentos, de sala e dois quartos, virados para a rua, sendo que alguns contam com vista para uma área verde. Outros, porém, estão próximos ao viaduto do Metrô, cuja passagem tende a incomodar moradores. Acontece que, diz Rayol, a disposição das edificações foi projetada para dar privacidade aos apartamentos.

O argumento tem sentido, pois, observa o antropólogo Marco Antonio da Silva Mello, coordenador do Laboratório de Etnografia Metropolitana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LeMetro/UFRJ), em muitos projetos de interesse popular, o morador, ao abrir a janela do quarto, quase dá de cara com a sala do vizinho. Mas, acrescenta que esta é uma realidade também presente em bairros da Zona Sul, como Botafogo e Copacabana.

A distância de cinco metros entre os prédios do Bairro Carioca, de acordo com o gerente de obra Rodrigo Neiva Deusdará, procura garantir essa privacidade, pois é maior que a de três metros, usada convencionalmente. O empreendimento terá 60 prédios de cinco andares, será contornado por uma ciclovia e deve ficar pronto em abril.