Aos 90 anos do seu primeiro loteamento, Urca une qualidade urbanística e riqueza histórica

22/12/2012 - O Globo

Bairro tem ar de cidade do interior no meio do Rio

Projetado há 90 anos, o loteamento da Urca ainda dá uma aula de qualidade urbanística Custodio Coimbra / O Globo

RIO - No balanço dos 90 anos da transformação da Urca num bairro, o cantor, compositor e morador Lenine diz que, para ele, o saldo do lugar é repleto de vibrações positivas. Ao deixar sua Recife há mais de 20 anos, ele ri ao afirmar que jamais imaginaria trocar a agitada capital pernambucana por uma espécie de cidade do interior em pleno Rio. A Urca é assim mesmo: desperta paixões. Neste mês, por exemplo, o Instituto Europeu de Design (IED) obteve na Justiça a liberação para continuar a obra de instalação de sua escola no antigo Cassino da Urca. A Associação de Moradores da Urca diz que os recursos jurídicos para vetar o IED ali ainda não terminaram. Paralelamente à contenda, muita gente aproveita a efeméride do nonagésimo ano do plano de loteamento para enaltecer a qualidade urbanística, a riqueza histórica e o charme do lugar. Urca é estilo de vida.

O músico Lenine vê o futuro da Urca justamente na preservação de seu passado.

Uma coisa boa daqui é que não se pode construir mais diz Lenine, referindo-se à transformação do bairro desde 1988 em Área de Preservação do Ambiente Cultural (Apac), instrumento pelo qual se assegura a preservação das características ambientais, urbanas e culturais.

Diretor do Instituto Europeu de Design (IED) no Rio, Fábio Palmas diz que a entidade já entendeu o espírito local. Afirma que a escola começa em abril, proibindo professores e funcionários de entrarem de carro no bairro. Ele anuncia também um bicicletário no instituto e um estacionamento fora das imediações:

Faremos de tudo para que os alunos não entrem de carro no bairro. Para isso, vamos ter somente 150 matrículas.

Consultor da associação de moradores local, o arquiteto Luiz Fernando Janot duvida:

Um aluno que paga mais de R$ 2 mil por mês por um curso vai querer entrar de carro na Urca, e não há como o IED controlar isso. E o número de alunos matriculados pode aumentar. É uma questão de demanda. Por isso, não desistiremos de lutar na Justiça.

Empresa deu nome ao bairro

Autor do livro Urca, construção e permanência de um bairro, o sociólogo e pesquisador do Rio Mario Aizen batalha em outra fronteira: a da valorização da história do lugar. Ele lembra que o comerciante português Domingos Fernandes Pinto foi o primeiro a tentar transformar o local num bairro, aterrando a área fronteiriça ao Morro da Urca. Em 1922, uma imobiliária chamada justamente Sociedade Anônima Urca convenceu a prefeitura a fazer o aterro proposto por Domingos na área batizada com o nome da empresa.

A Avenida Portugal foi a primeira rua do loteamento. E, não à toa, a ponte de acesso se chama Domingos Fernandes Pinto. A empresa Urca fez um aterro a partir do contorno do Morro do Urca, substituindo o mar pela atual rua São Sebastião. No início foram construídas casas de estilo eclético e art déco. Hoje, a maioria delas, construídas entre os anos 1920 e 1940, continua por lá.

Mario recorda ainda que o edifício do Cassino da Urca começou como um hotel balneário, em 1922, cuja construção constava numa das cláusulas do contrato da empresa Urca com a prefeitura. Em 1933, o hotel virou cassino e uma das principais atrações da cidade.

A estrela de Carmem Miranda brilhou várias vezes ali, em meio àquele clima de roleta e carteado, até 1946, quando o presidente Dutra proibiu o jogo no Brasil, fechando assim todos os cassinos.