Prefeitura não monitora crescimento de favelas há dois anos

Trabalho de ortofotos, conjunto de fotos aéreas para fiscalizar a expansão das comunidades, não é executado desde 2013

POR LUIZ ERNESTO MAGALHÃES / GISELLE OUCHANA

11/05/2015 - O Globo



Casebres da favela Cláudio Franco, em Sepetiba, que cresceu 246% entre 2009 e 2013: expansão sem infraestrutura continua, mas faltam dados oficiais - Pablo Jacob / Pablo Jacob
 

RIO - Quando foi morar há 15 anos na principal rua da comunidade Cláudio Franco, em Sepetiba, o professor de história Marcelo Costa, de 54 anos, tinha apenas três vizinhos. Hoje, a situação é bastante diferente. Sem qualquer controle, a favela cresceu, avançou em direção a um córrego e invadiu até um terreno no qual a prefeitura planejava construir uma pracinha. Marcelo conta que, há três anos, o município chegou a retirar alguns moradores do lugar, que acabaram retornando depois. O relato do professor resume uma parte da história da comunidade que mais se expandiu proporcionalmente no Rio desde 2009, quando o prefeito Eduardo Paes assumiu o governo. Entre 2009 e 2013, a área ocupada pela Cláudio Franco saltou de 336 metros quadrados para 1.163 metros quadrados, um crescimento de nada menos que 246%.

E, de 2013 para cá, a favela pode ter ficado ainda maior. Apesar de o próprio prefeito ter determinado, em decreto de janeiro de 2011, a realização de ortofotos — conjunto de fotos aéreas, feitas com uma mesma escala, de modo a acompanhar as mudanças urbanas — para fiscalizar a expansão das comunidades, o trabalho não é executado há quase dois anos.

— Com a vinda de novos moradores, o sistema de tratamento de esgoto não dá conta e são comuns os vazamentos. Como a rua de acesso não foi alargada, há engarrafamentos na saída da comunidade. Muita gente chegou nos últimos anos — conta Marcelo Costa.

CRESCIMENTO ANO A ANO

Segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), a Favela Cláudio Franco avançou seus domínios a partir de 2010, depois de seis anos sem crescimento (de 2004 a 2009). Chegou a 459 metros quadrados em 2010; depois a 572 metros quadrados em 2011; 957 metros quadrados em 2012; e, no ano seguinte, atingiu 1.163 metros quadrados. Para Marcelo Costa, a expansão pode ter sido maior em 2014 e 2015. Mas, apesar de relatos sobre o crescimento horizontal de várias comunidades, o fenômeno não é confirmado oficialmente por falta de informações atualizadas.

A licitação promovida pelo IPP para fazer as medições com fotos aéreas, que deveria ter acontecido em 2014, foi remarcada diversas vezes por questões técnicas e a pedido do Tribunal de Contas do Município (TCM). Agora, a escolha da empresa que fará o trabalho está prevista para o próximo dia 25. Se não houver recursos contra o resultado, os serviços devem começar em julho. No entanto, o edital prevê a conclusão do levantamento em 18 meses, já que o mapeamento será feito também no asfalto e inclui a cidade inteira. Ou seja: apenas no fim de 2016 a cidade saberá quais as favelas que cresceram, diminuíram ou mantiveram o tamanho.

— A licitação foi adiada para incluir no edital a exigência de que a empresa escolhida também faça o monitoramento do crescimento vertical das comunidades — afirma o prefeito Eduardo Paes. — Isso ajudará a fiscalizar as comunidades no futuro com base nas regras de construção já estabelecidas para diversas favelas da cidade.

Mesmo sem um mapeamento com fotos aéreas atuais, Paes defende que os estudos disponíveis, baseados no levantamento de 2013, são consistentes para afirmar que houve diminuição da área ocupada por favelas. Os resultados levam em consideração a situação em 2008 (último ano do governo Cesar Maia) comparada à de 2013. Por esse critério, as áreas ocupadas por favelas tiveram uma redução de 2,13% em toda a cidade.

— Os estudos já divulgados indicam que muitas comunidades diminuíram de tamanho e que houve redução das áreas ocupadas. Em 2015 e 2016, teremos um quadro consolidado. Cabe ressaltar que fizemos levantamentos por cinco anos consecutivos enquanto que, no governo passado, o intervalo foi de quatro anos — completa o prefeito.

CONDIÇÕES SUB-HUMANAS

Na Favela Cláudio Franco, o crescimento desordenado é acompanhado pelos moradores da região. Construções ainda inacabadas sinalizam a chegada de novos vizinhos. Carolina Biancamano, de 78 anos, foi uma das primeiras a chegar ao bairro, há 40 anos. Da entrada da comunidade, ela vê os muros que sobem e os barracos erguidos às margens de um córrego, sem qualquer infraestrutura urbana.

— A comunidade cresceu muito da noite para o dia. Nesses barracos, há muita gente sofrida, humilde — conta Carolina.

Maria Lúcia Nunes, de 50 anos, foi uma das primeiras a montar seu barraco no local. Mãe de 12 filhos, ela vive até hoje num local infestado de ratos , cobras e mosquitos e sob o risco de doenças:
 
— Quando chove, nosso barraco fica alagado. Convivemos com isso e já estamos acostumados.

Na avaliação do professor José Carlos Pessoa de Vasconcelos, do departamento de Engenharia Cartográfica da Uerj, o fato de o estudo só ser concluído em 2016 pode gerar distorções e interferir na avaliação sobre a expansão ou não de comunidades:

— A prefeitura vai comparar informações coletadas em 2015 com outras obtidas em 2016. Para se ter um retrato mais fiel da realidade, o ideal é que a comparação se dê por ortofotos, tiradas sempre nos mesmos os anos.

FAVELA CRESCE MAIS DE 60%

As informações sobre as extensões das favelas da cidade, até 2013, estão disponíveis no site Armazém de Dados, da prefeitura, na página do Sistema de Assentamentos de Baixa Renda (Sabren), que consolida estatísticas e reúne ortofotos das áreas ocupadas por comunidades desde 1999. Ao todo, o sistema identifica 632 favelas, que formam 1.022 comunidades. Repórteres do GLOBO pesquisaram o Sabren, por amostragem, com um critério diferente do último estudo do IPP, que indicou a redução de 2,13% da área total. A referência usada pelo jornal foi o ano de 2009 — primeiro da gestão Eduardo Paes.

Assim como a Cláudio Franco, a segunda comunidade que mais cresceu a partir de 2009 também fica na Zona Oeste. Naquele ano, a Favela do Gouvêa, em Paciência, media 6.926 metros quadrados. Desde então, expandiu seus domínios em 60,49%, com aumento em todos os anos consultados (de 2010 a 2013). Em 2013, seu tamanho era de 11.116 metros quadrados. Em Sulacap, a Fazenda Coqueiro, considerada a mais extensa da cidade, também ampliou seus domínios em todos os anos a partir de 2009, embora, percentualmente, em escala menor. A comunidade, que tinha 1.146.212 metros quadrados no primeiro ano da gestão Paes, chegou em 2013 com mais três mil metros quadrados: 1.149.250 no total.

— Na Barra e no Recreio, a expansão das comunidades se deve à proximidade com o mercado de trabalho. Na região de Campo Grande e Santa Cruz, onde o poder aquisitivo é menor, há mais espaços disponíveis para ocupações irregulares, muitas vezes patrocinadas por milícias — avalia o arquiteto Luiz Fernando Janot.

Na cidade, há casos de comunidades que chegaram a registrar decréscimo de área, mas que voltaram a expandir até 2013, mesmo sem recuperar o tamanho anterior. Foi o que aconteceu com a Rocinha. Entre 2009 e 2012, a área total da comunidade caiu de 874.612 metros quadrados para 836.078 metros quadrados (-4,40%). No entanto, no levantamento de 2013, a Rocinha apareceu com 836,2 mil metros quadrados (mais 122 metros quadrados). O mesmo fenômeno foi registrado nas três favelas identificadas pelo IPP na Ladeira dos Tabajaras que formam o Complexo do Morro dos Cabritos (entre Copacabana e Lagoa). Entre 2009 e 2011, a área favelizada diminuiu de 143.984 para 126.992 metros quadrados (-11,80%). Só que em 2012 e 2013, a comunidade recuperou fôlego: expandiu em 1.258 metros quadrados.

No Dona Marta, em Botafogo, o mesmo fenômeno. A área da favela reduziu de 54.788 metros quadrados em 2009 para 53.706 metros quadrados em 2010 (menos 1,97%). Mas, em 2012 e 2013, as medições indicaram que ela tinha recuperado 27 metros quadrados, ocupando uma área total de 53.733 metros quadrados.

DESORDEM POR TODA A CIDADE

Em várias regiões do Rio, o crescimento desordenado não consegue ser contido pelas autoridades. Na semana passada, a prefeitura demoliu cinco barracos na mata do Morro do Cantagalo, em Ipanema, após O GLOBO mostrar imagens da invasão. A denúncia tinha sido feita por moradores do bairro pelo WhatsApp do jornal (99999-9110). As famílias removidas foram cadastradas pela prefeitura e voltaram para a casa de parentes no Cantagalo.

A Favela Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, também cresce a olhos vistos, segundo moradores do bairro. Num terreno no topo da favela, bem no limite com a mata, surgiram quatro novas casas de alvenaria nos últimos meses. Numa delas, uma obra estava em curso no início do mês: o imóvel era um pequeno barraco de madeira, que se transformou numa casa prestes a ganhar o segundo piso.

Na favela Tavares Bastos, no Catete, o crescimento é camuflado. Moradores do bairro observam que novas casas vêm sendo erguidas na mata e ficam escondidas sob a copa das árvores. Um morador, que enviou fotos ao GLOBO, contou que chegou a denunciar o crescimento à prefeitura, pelo telefone 1746, mas que não obteve resposta.

Na segunda-feira da semana passada, a prefeitura derrubou 35 barracos na Vila da Amizade, na Avenida Comandante Guaranys, em Jacarepaguá. O município acabou sendo multado em R$ 1,8 milhão porque uma liminar pedida pela Defensoria Pública garantia a permanência das construções. No dia seguinte, os barracos voltaram a ser erguidos.

Ariele Lopes, de 32 anos, é uma das moradoras que tiveram a casa destruída. Grávida de nove meses, ela diz que morou na rua por mais de um ano até construir um barraco ali:

— Já morei de aluguel na Cidade de Deus, mas fiquei desempregada. Passei mais de um ano na rua com os meus filhos. Os preços dos aluguéis estão muito altos.

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