Penha

A Fazenda Grande da Penha 

Por Hugo Delphim

A Fazenda Grande da Penha, originalmente chamada Engenho de N. S. da Ajuda, é mais uma das inúmeras fazendas desaparecidas do Recôncavo da Guanabara, tendo sido, sem dúvida, uma das mais antigas e mais importantes. No texto a seguir segue detalhes dessa rica história que não foi preservada, como a lenda do tesouro escondido. Sua demolição foi um crime 

A ORIGEM:

A região onde hoje se situa o surburbano bairro da Penha, outrora fez parte da sesmaria doada a Antônio de França no século XVI, que depois foi passada a Baltazar de Abreu Cardoso no início do século XVII. Nesta época, a localidade se chamava N. S. da Penha de França.

Baltazar de Abreu foi quem edificou a capela de N. S. da Penha e foi senhor de engenho na região, além de possuir terras em outras bandas, como na região que ia desde São Gonçalo até Maricá. Em 1638, Baltazar de Abreu doa parte de suas terras a Santa Casa de Misericórdia. Por isso, as terras equivalentes aos fundos de N. S. da Penha de França passaram a ser chamadas de Serra da Misericórdia. Sobre essa doação, segue trecho de escritura da época:

"Escritura de doação de terras que faz o irmão Baltazar de Abreu à Santa Casa de Misericórdia - com 400 braças de testada, sitas juntas ao seu engenho de açúcar" (Fonte: A Santa Casa da Misericórdia Fluminense, de Félix Ferreira)

Nessa mesma época, outra parte das terras da região da Penha chegam as mãos de Jorge de Souza, o Velho. Num trecho de uma escritura de 1641 é possível obervar que Jorge de Souza e Baltazar de Abreu eram vizinhos:

"...sitas no termo desta cidade, que partem de uma banda com terras de Jorge de Souza e Baltazar de Abreu..." (1º Of. Notas, disponpivel no Arquivo Nacional)

Segundo Vieira Fazenda, essas terras iam do Porto de Maria Angú até o Rio Irajá. Eram as terras do Engenho ou Fazenda de N. S. da Ajuda, posteriormente chamada Fazenda Grande da Penha. Sobre esses proprietários, segue trecho de um registro de 1652:

"Escritura de doação de um engenho que fazem Jorge de Souza Coutinho e sua mulher Maria de Galegos a seus filhos Inácio de Souza Coutinho e Francisco de Souza Coutinho - um engenho trapiche de duas moendas, de invocação de Nossa Senhora da Ajuda, onde chamam Guquipereri, com 65 bois, entre machos e novilhos, com casas de caldeiras com duas caldeiras, cobres, casa de purgar, com todas as formas, com casas de vivenda e de negros, com uma igreja com um dos sinos..." (1º Of. Notas, no Arq. Nacional)

Como diz a escritura, o engenho se chamava N. S. da Ajuda e possuía uma igreja, localizados na região outrora chamada Guquipereri. Em 1645 o governador Duarte Correia Vasqueanos concede a Jorge de Souza uma ilha defronte ao seu engenho, aumentando suas posses.

Sobre essa mesma propriedade de Jorge de Souza e sua capela, escreveu também o Frei Agostinho de Santa Maria em 1723:

"...continuando a marinha daquele grande seio e baía [do Rio de Janeiro], e passando adiante do Santuário de Nossa Senhora da Penha, se vê em pouca distância a Casa de Nossa Senhora da Ajuda, situada em uma quinta, ou herdade, que hoje possui o Capitão Cristóvão Lopes. Esta ermida, e casa de a senhora, fundou por sua devoção Jorge de Souza, o velho, e a fez de pedra e cal. Era naquele tempo esta quinta, ou herdade sua, onde tinha um grande engenho, e seus herdeiros venderam esta fazenda (porque com a morte de Jorge de Souza se desfabricou o engenho) a Cristóvão Lopes, ou a outro, de quem Cristóvão Lopes a comprou. Este tem fabricado naquele sítio uma curiosa quinta, aonde também tem curral de gado em quantidade, e o mais, que é necessário à sua família. E como esta ermida é particular dos senhores daquela fazenda, não é muito frequentada de gente..." (Santuário Mariano, tomo X, de Frei Agostinho de Santa Maria)

Apesar de algumas fontes citarem que a "Casa de N. S. de Ajuda" citada por Frei Agostinho de Santa Maria se localizava na Ilha do Governador, é necessário observar que o frei afirma que se localizava na fazenda de Jorge de Souza, que era o Engenho de N. S. de Ajuda, que carregava a mesma invocação e que também estava a pouca distância do Santuário de N. S. da Penha.

SÉCULO XVIII - A QUINTA DO VIEGAS:

Essa mesma quinta, da Fazenda de N. S. da Ajuda, foi posteriormente propriedade do Coronel Francisco Viegas Leitão e Souza (não confundir com Francisco Viegas da Fazenda do Viegas em Realengo), casado com Dona Ângela de Mendonça. Foi chamada Quinta do Viegas e por isso a pequena enseada que se formava na junção do final da Praia de Maria Angú com a Ilha Comprida, se chamou Saco (ou gamboa) do Viegas. Em um mapa antigo da região (ver imagem em anexo) aparece "D. Ângela" como fazendeira da faixa litorânea de N. S. da Penha. Em outro mapa aparece o Saco do Viegas.

Sobre esse período, segue trecho de escritura de uma propriedade vizinha, datada de 1760 onde o Coronel Francisco Viegas e sua esposa Dona Ângela são citados:

"...e fica fronteira à quinta que foi de Francisco Viegas Leitão e Souza, e que hoje é de sua mulher Dona Ângela de Mendonça, com casa de vivenda coberta de telha, várias senzalas, bananais, algumas árvores de fruto e 4 escravos de serviço, livre de foro, comprada a Pedro da Cunha e sua mulher Inácia Maria da Fonseca em 1/12/1756" (1° Of. de Notas, no Arq. Nacional)

Vale ressaltar que também foi possível encontrar diversos registros do final do século XVII e início do XVIII, onde aparecem outros proprietários na região da Penha, como por exemplo Pedro de Abreu Rangel (Engenho de N. S. do Rosário), Capitão Antônio Zuzarte de Almeida, Francisco Gouveia, Inácio de Souza Coutinho, Francisco Dias Medonho, Domingos Álvares Casado, Crispim da Cunha e até o capitão-mór Garcia Rodrigues Paes, responsável pela abertura do Caminho Novo do Pilar (que ligava o Rio a Minas) e filho primogênito do famoso bandeirante Fernão Dias Paes Leme, o caçador de esmeraldas. Nesta época, a região de N. S. da Penha de França, já chamada Arraial da Penha, pertencia a Freguesia de N. S. da Apresentação do Irajá, que em meados do século XVII já contava com cerca de trinta engenhos de cana de açucar. Em 1743, com a criação da Freguesia de São Tiago de Inhaúma, o arraial passou a fazer parte da mesma. 

SÉCULO XIX - PADRE RICARDO:

Após os meados do século XIX, a fazenda chega as mãos do Padre Ricardo Silva, nascido em Coimbra, mas um grande benfeitor da região da Penha. Nesta época já era chamada Fazenda de N. S. da Penha ou Fazenda Grande da Penha. Há registros de que o Padre Ricardo Silva possuía um negócio de peixes local, chefiava uma ronda de polícia montada, acolhia escravos fugitivos em sua fazenda e percorria toda a região em atividades religiosas através dos diversos atalhos da velha Estrada da Penha, desaparecida quando Noca Rêgo abriu a Rua Leopoldina Rêgo (sua filha), João Rêgo, Joaquim Rêgo, Antônio Rêgo, Nabor Regô e etc.

O TESOURO ESCONDIDO:

Como foi possível observar nos trechos mencionados, havia uma capela na fazenda. Sobre ela, falou também o memorialista Brasil Gérson, citando a existência um suposto tesouro escondido:

"...ao serem demolidas para sua ampliação a casa grande da fazenda antiga e sua capelinha de grossas paredes, alguns operários que nela trabalhavam, encontraram uma garrafa e dentro dela um manuscrito de vetusta idade, com a notícia de que a 60 braças precisamente, na direção em que ela estava, um precioso tesouro havia de achar-se... Autorizados pelo diretor, organizaram-se em companhia para sua exploração, é claro que por demais difícil, pois do principal, que era a posição da garrafa misteriosa dentro das paredes, disto tinham se esquecido no emocionante instante do seu encontro (...) E necessitou-se atribuir valor histórico a mais de uma árvore imensa nos arredores, para que ela não caísse nas escavações, enfraquecendo seus alicerces..."

Seria este tesouro o mesmo da Ilha do Raimundo que fica defronte a fazenda? Ou seria mais uma lenda como supomos ser a do tesouro da Ilha do Raimundo?

FIM DO SÉC. XIX E INÍCIO DO XX - ÚLTIMOS SUSPIROS:

No final do século XIX a Fazenda Grande da Penha foi desapropriada. Suas terras foram dando lugar a diversas atividades, como Matadouro (no local que depois foi chamado Campo da Boiada - atual Campo da Taninha), depósito de material (tubos) para obras de abastecimento d'água e construção da Estrada de Ferro Rio d"Ouro e etc. No final deste século a Fazenda é cedida a Sociedade Nacional de Agricultura, que fez alí o Horto Frutícola, o berço da modernização em bases científicas da lavoura. No local havia uma Horta Viticola (com 23 mil pés de videiras de vários tipos), diversas plantações e uma "Criação Phylloxérica" (estudo de insetos). Essa estrutura depois foi chamada de Escola de Horticultura Wenceslau Belo, em homenagem a um botânico muito dedicado ao bairro e também engenheiro ferroviário.

Neste último período, a casa grande da Fazenda Grande da Penha se encontrava muito arruinada. Então sem levar em conta o valor histórico de tal construção e sem pensar em reformar a mesma, os homens da época colocaram abaixo o maravilhoso casarão com seu belo alpendre apoiado em colunas toscanas (ver imagem em anexo), além da capela que havia no local. 

Não restou pedra sobre pedra da casa grande! Hoje o local é conhecido como Fazendinha da Penha, ao lado do conjunto I.A.P.I. da Penha, sendo uma área de proteção ambiental ocupada pela Universidade Castelo Branco. Apesar de ter tido todo o passado apagado, o local é lindo e merece uma visita. É um paraíso verde em meio ao subúrbio carioca!

*Pesquisa e texto autoral de Hugo Delphim, publicados na Página O belo e histórico Rio de Janeiro.

*As fontes de pesquisa foram citadas no próprio texto.