Só 32% dos imóveis da cidade pagam IPTU

16/01/2011 - O Globo

Em vigor há 12 anos e baseadas em estimativas de valor de mercado dos imóveis ainda mais antigas (1997), as regras de cobrança do IPTU no Rio criaram distorções que vêm se tornando cada vez mais evidentes. Hoje, dos mais de 2,2 milhões de construções residenciais e comerciais (sem contar salas) existentes na cidade - tanto no asfalto como em favelas e loteamentos irregulares -, cerca de 710 mil apenas (32,22%) pagam IPTU, segundo a Secretaria municipal de Fazenda. De acordo com o secretário-chefe da Casa Civil, Pedro Paulo Carvalho Teixeira, a prefeitura deixa de arrecadar cerca de R$150 milhões por ano.

A arrecadação de cerca de R$1,7 bilhão com o IPTU prevista para este ano é garantida principalmente por proprietários das classes A, B e C da Zona Sul e da Barra, entre outras áreas. Enquanto na orla marítima e na Lagoa, por exemplo, 91,5% dos imóveis pagam IPTU, nas zonas Norte e Oeste esse percentual chega a ser inferior a 1% em alguns bairros. Mas as regras atuais não serão alteradas.

- A verdade é que nem ricos, nem pobres pagam o IPTU que deveriam. O maior desafio seria encontrar uma fórmula que conciliasse o patrimônio visível com aquilo que o contribuinte teria realmente condições de pagar. Mas o prefeito vai cumprir a promessa de campanha (de não aumentar o IPTU), mesmo estando claro que a realidade da cidade é bem diferente do quadro vivido em 1997. O mercado imobiliário está muito aquecido e houve melhorias na prestação de serviços públicos, inclusive com a implantação das UPPs em comunidades, valorizando imóveis no entorno - disse Pedro Paulo.

Rio tem 400 mil imóveis em favelas e loteamentos ilegais

O secretário cita exemplos resultantes das distorções, sem informar os endereços, devido ao sigilo fiscal. Em Jacarepaguá, na região de Taquara, Pechincha e Curicica, que se valorizou bastante nos últimos tempos, donos de muitos imóveis com menos de cem metros quadrados só pagam a Taxa de Coleta de Lixo (TCL). Mas o perfil dos proprietários é tipicamente de classe média.

- Os apartamentos têm sido vendidos por R$150 mil em média. O adensamento dessa e de outras áreas da cidade gera mais trânsito e outras demandas, que o poder público precisa atender, sem que haja incremento na arrecadação - acrescentou o secretário.

Segundo um estudo da secretaria, dos 2,2 milhões de construções, 400 mil estão em favelas ou loteamentos irregulares e nem recebem carnês. Do 1,8 milhão de imóveis restantes, cerca de 700 mil são isentos. Resta 1,1 milhão de construções, mas, destas, a legislação permite que aproximadamente 380 mil só paguem a taxa de lixo.

Entre aqueles que defendem mudanças nas regras, estão os quatro integrantes da sociedade civil no Conselho Municipal de Contribuintes, órgão encarregado de julgamentos de pedidos de revisão de tributos.

- De 1997 para cá, muitas regiões receberam melhoras na infraestrutura e não pagam por isso. - disse Roberto Lira de Paula, representante do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon).

Imposto era calculado com alíquotas progressivas

A distorção começou nas execuções do imposto em 2000, quando cerca de um milhão de contribuintes, principalmente das zonas Norte e Oeste, deixaram de pagar o IPTU, com a entrada em vigor das atuais regras de cobrança do tributo. A alteração fora proposta pelo ex-prefeito Luiz Paulo Conde no ano anterior, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional o modelo que era usado

O sistema antigo era baseado nas alíquotas progressivas e estava em vigor desde 1989. A mudança para a alíquota única, no entanto, criou um problema. Se fosse aplicada uniformemente, muitos proprietários de imóveis nas zonas Norte e Oeste teriam o IPTU aumentado em mais de 100%. Conde então baixou um decreto mudando as regras para a concessão de isenções. Até 1999, para que um imóvel fosse classificado como Unidade Autônoma Popular (UAP), deveria ter até 50 metros quadrados e o valor venal de 7.524 Ufirs (R$15.185,62, hoje). Com o decreto, foram incluídos todos os imóveis que mediam até cem metros quadrados e cujo valor venal chegava a 20 mil Ufirs (R$40.366, atualmente).

Em 2001, porém, o Estatuto das Cidades regulamentou o IPTU com alíquotas progressivas. Das grandes capitais, o Rio é uma das poucas que não adotaram o novo modelo e, com a defasagem da planta de valores (que indica os preços de mercado dos imóveis, por região), as distorções aumentaram. São Paulo, por exemplo, tem cinco faixas de alíquotas e Curitiba, nove. Em 2010, o Rio arrecadou R$1,6 bilhão com o IPTU.

Câmara poderá propor alterações

O secretário-chefe da Casa Civil, Pedro Paulo Carvalho Teixeira, lembra que, apesar da promessa do prefeito Eduardo Paes de não mexer no sistema de cobrança do IPTU, a Câmara de Vereadores tem autonomia para apresentar propostas revendo os critérios. Caso as sugestões sejam factíveis, poderiam ser adotadas porque, como partiriam do Legislativo, o entendimento é que a promessa não seria quebrada. Pedro Paulo, no entanto, disse ser contra a exigência do imposto para os cerca de 400 mil imóveis de favelas e loteamentos irregulares, mesmo aqueles em áreas já urbanizadas. Hoje, a inscrição de imóveis no cadastro da Secretaria municipal de Fazenda é facultativa, mesmo para aqueles que receberam títulos de propriedade.

- O poder público esteve afastado por anos dessas comunidades. Não dá para, no momento em que começa a levar seus serviços, tentar impor imediatamente uma carga tributária - disse o secretário.

A margem de atuação dos vereadores, porém, é bastante limitada. Constitucionalmente, apenas o Executivo poderia propor a criação de um número maior de alíquotas, por exemplo. Para qualquer alteração ser aprovada, seriam necessários ao menos 26 votos, mas não existe consenso sobre o assunto. Entre os defensores da revisão, está a vereadora Andrea Gouvêa Vieira (PSDB), integrante da Comissão de Finanças, Orçamento e Fiscalização Financeira.

- A manutenção de uma única alíquota e de uma tabela de cálculos de valor venal tão defasada onera a classe média. Vivemos um momento político excelente para que o IPTU seja revisto. Muitos problemas antigos da população começaram a ser resolvidos com a implantação das Unidades de Pronto Atendimento (UPAS) e das UPPs - disse ela.

Para a ex-líder do governo do ex-prefeito Luiz Paulo Conde, Rosa Fernandes (DEM), as regras não devem ser mudadas. Ela teme que o fato de o mercado imobiliário estar aquecido se reflita nos valores venais e gere distorções na hora de estimar o novo IPTU:

- Além disso, durante anos as zonas Norte e Oeste foram prejudicadas por falta de investimentos públicos. Não é justo mudar o sistema de cobrança quando essas regiões começam a ser atendidas. E é relativa a ideia de que a Zona Norte vive um momento de grande valorização. Será que podemos falar a mesma coisa de bairros como Pavuna, Parada de Lucas, Vigário Geral e Jardim América?

Entre os bairros que proporcionalmente menos pagam IPTU, estão Barros Filho (99,7%), Deodoro (99,1%) e Acari (98,6%). Morador de Acari, o comerciante aposentado Domingos João de Luca Cícero, de 58 anos, diz que ficou isento do IPTU a partir de 2000:

- Aqui falta de tudo. Se para contar com serviços melhores eu tivesse que voltar a pagar um pouco por isso, não me incomodaria. Moro ao lado do Hospital Ronaldo Gazolla, construído para ser uma emergência, mas que só atende com hora marcada. Os bueiros da minha rua só são limpos quando o Rio Acari enche e alaga tudo

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Alfredo Lopes, é a favor de atualizar os métodos de cobrança. Para ele, porém, o ideal seria convocar especialistas, que ajudariam a desenvolver um novo modelo.

Lista variada de isenções

A relação de imóveis isentos de IPTU não inclui apenas construções residenciais e comerciais. A Constituição Federal concede isenções para templos de qualquer credo; imóveis de propriedade da União, do estado e do município; e sedes de partidos políticos, entre outros. Devido ao seu interesse histórico ou cultural, a prefeitura também concedeu isenção a 1.490 imóveis, cujos proprietários se comprometem a preservar as características das construções.

Um dos beneficiados é o Copacabana Palace. A relações-públicas do hotel, Cláudia Fialho, diz que, para obter a isenção, foi atendida uma série de exigências. As obras duraram oito anos (de 2002 a 2010) e equipes de manutenção atuam permanentemente para manter as características do prédio.

O empresário Leo Feijó reclama da burocracia para conseguir a isenção. Na Lapa, ele é sócio da choperia Brazooka (isenta do IPTU) e do Teatro Odisseia, para o qual desde 2003 reivindica o mesmo benefício.

- A manutenção do casario histórico sem ônus para o poder público é um ótimo negócio para a cidade. Mantemos pintura, fachadas e outras características originais. Apenas para restaurar o telhado da Brazooka, gastamos R$30 mil. Mas, no Odisseia, ainda pagamos R$9,2 mil por ano de IPTU.