Alvo de investigação, polêmico hotel projetado por Niemeyer em Niterói é apresentado ao mercado

10/11/2012 - O Globo

Novo projeto do arquiteto está previsto para ser lançado oficialmente no fim do mês

Maquete. O empreendimento terá 293 quartos 456 salas comerciais Guito Moreto / O Globo

RIO - As curvas inspiradas nas montanhas e nas mulheres brasileiras, presença marcante nas obras de Oscar Niemeyer, também se fazem notar na essência das duas torres que vão brotar numa árida região do Centro de Niterói. Novo projeto do arquiteto, previsto para ser lançado oficialmente no fim do mês, o empreendimento imobiliário de R$ 299 milhões foi detalhadamente apresentado a 600 corretores, num encontro no final de outubro, no Teatro Popular de Niterói, às margens da Baía de Guanabara, a poucos metros do futuro canteiro de obras.

Alheios às polêmicas que envolvem a licença da obra, alvo de investigação por parte do Ministério Público, os consultores imobiliários se deliciavam com um coquetel à base de cachorro-quente, misto-frio e brigadeiro no copinho de plástico, enquanto registravam com as câmeras dos celulares cada detalhe da maquete de 1,90 metro de altura do Oscar Niemeyer Monumental. O projeto tem 456 salas comerciais, 293 quartos de hotel, 12 lojas e 35 espaços corporativos entre os 26 andares das duas torres, além de 477 vagas nos três andares subterrâneos de garagem. A obra vai ocupar um quarteirão de 3.900 metros quadrados, estrategicamente inserido no Caminho Niemeyer onde um conjunto de monumentos e equipamentos culturais faz de Niterói a segunda cidade que concentra o maior número de obras do arquiteto, atrás apenas de Brasília. Segundo Jair Velera, de 62 anos, que trabalha há mais de três décadas no escritório de Oscar Niemeyer e viu o Caminho Niemeyer nascer, em 2002, a maior preocupação foi manter a vista do mar e não fazer um prédio achatado de frente para a Baía de Guanabara:

As duas torres comerciais têm formas arrojadas, diferente das que são construídas com a mesma finalidade diz o arquiteto.

A grande vedete é a laje-jardim que une os dois prédios. A estrutura, na altura do 12º andar, dispensa pilares de sustentação. No mesmo ponto, outro destaque é uma quebrada na estrutura, que pede vãos livres e pilares recuados na fachada revestida de vidro laminado em tons de cinza. Os detalhes arquitetônicos chegaram a ser questionados pela PDG e pela Latini Bertoletti, sócias incorporadoras do empreendimento. Mas Niemeyer não abriu mão das ideias.

O projeto tornou-se um grande desafio de engenharia. Mas isso é Oscar Niemeyer. Ao fim, todos se renderam à complexidade do traço do arquiteto conta Joaquim Pedro Bertoletti, sócio-diretor da Latini Berttoletti, que passou mais de um ano em conversas com Niemeyer para fechar o projeto.

As obras estão marcadas para começar em julho de 2013, com previsão de término em 33 meses depois da Copa do Mundo e antes das Olimpíadas. O lançamento, no entanto, acontece em meio a polêmicas envolvendo a prefeitura de Niterói e o Ministério Público estadual. O promotor Augusto Lopes, da Tutela Coletiva, Meio Ambiente e Patrimônio Histórico, está investigando a licença da obra, um processo iniciado em fevereiro. Em janeiro, antes mesmo de a licença ser concedida, propagandas enviadas por e-mail a um grupo de empresários de Niterói chamaram a atenção por ressaltar que as unidades do empreendimento seriam o único projeto de Oscar Niemeyer vendido ao consumidor final.

A promotoria continua esperando documentos que a prefeitura ainda não enviou, apesar de solicitados. Neste momento, estamos analisando se todas as regras de licenciamento foram observadas afirma o promotor Augusto Lopes, por e-mail.

Na semana retrasada, o Ministério Público solicitou que uma audiência pública seja convocada pela prefeitura para debater a licença da obra. Até segunda-feira, o MP não havia obtido resposta. Segundo a assessoria de comunicação da prefeitura, as obras serão realizadas valendo-se dos parâmetros urbanísticos especiais aplicáveis.

Um ponto que divide opiniões é o fato de as torres terem 26 pavimentos, cada uma: dez andares a mais do que o gabarito permitido na região. A exceção à regra se dá graças à lei municipal que oferece total liberdade às obras assinadas por Oscar Niemeyer na área.

Coordenadora do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais (NEPHU), da Universidade Federal Fluminense (UFF), Regina Bienenstein teme pelo impacto viário na região, conhecida pelo trânsito complicado no rush.

Sou contra a alteração da legislação urbanística por pedaços. E essas torres nascem daí. Se você fizer um perfil perpendicular da orla, vai ver os elementos que compõem o Caminho Niemeyer, duas torres enormes de 26 andares e o casario abaixo. Qual é a integração em uma proposta como essa? indaga Regina. Não estamos discutindo a qualidade arquitetônica da obra, mas a legislação. Trabalhar a cidade por pedaços causa deformação. É uma mudança que perde o controle dos impactos.

Os incorporadores, por sua vez, informaram que um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) foi realizado e enviado à prefeitura. Presidente do Caminho Niemeyer, Selmo Treiger defende a importância das torres para o conjunto da obra:

O Caminho Niemeyer tem lei, aprovada pela Câmara dos Vereadores por unanimidade. E o céu é o limite para Oscar Niemeyer. Por acaso alguém agora vai resolver discutir o projeto de Brasília, da sede das Nações Unidas (ONU) em Nova York ou do próprio Museu de Arte Contemporânea (MAC) em Niterói? O Oscar Niemeyer, para mim, não é um arquiteto, é um escultor. E obra de arte não se mede por altura, largura ou comprimento. Obra de arte se mede pela beleza.

Nascido e criado em Niterói, Carlos Silvestre Mônaco, de 70 anos, observa do alto de seu apartamento o terreno ainda gramado onde as duas torres serão erguidas. Produtor cultural da Livraria Ideal, no Centro da cidade, ele acredita que o novo projeto ajudará a revitalizar a região, que, para ele, está bem degradada.

Se o projeto vai valorizar a área, é bem-vindo opina ele, cismado apenas se irá perder, ou não, a estonteante vista do Cristo Redentor em seu horizonte até então livre.

Antiga propriedade de um empresário paulista, o terreno comprado para sediar as torres fica pertinho da estação das barcas e do terminal rodoviário, a dez minutos da Ponte Rio-Niterói. O ponto foi estrategicamente escolhido para receber empresários dos setores petrolífero e naval. A torre do hotel, que será administrado pela rede Ibis, chega para incrementar a escassa oferta de hospedagem em Niterói.

Quando temos um grande casamento ou festa de 15 anos na cidade, não temos onde hospedar todos os convidados exagera Marcelo Latini, sócio-diretor da Latini Bertoletti e morador de Niterói.



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