O adeus ao volante nos deslocamentos diários

09/12/2012 - O Globo

Motoristas vendem seus carros e adotam metrô, táxi, bicicleta e caminhada no dia a dia

O neurologista Oscar Bacelar fala ao celular no táxi, entre a sua casa e o consultório: quando chego, posso me dedicar mais às demandas do dia, afirma ele Custódio Coimbra / O Globo

RIO - Carro? Nem pensar, garantem Oscar, Veronica, Ieda, PH, Mônica e Flávia. Eles fazem parte de um grupo que decidiu vender seus automóveis, passando a andar de táxi, metrô, bicicleta e a pé nos deslocamentos diários. A opção não é motivo de arrependimento: todos comemoram os ganhos financeiros e de qualidade de vida.

Morador da Barra, o neurologista Oscar Bacelar só vai de táxi para os consultórios na própria Barra, em Botafogo e na Tijuca. Ele aproveita bem o tempo de percurso: faz ligações, responde a e-mails e até olha resultados de exames.

Quando chego ao consultório, posso me dedicar mais às demandas do dia conta.

As vantagens vão além. Oscar constatou que, mesmo no quesito despesa, andar de táxi sai mais barato. A cada semana, ele gasta R$ 200 nos três dias em que vai aos consultórios.

Manter um carro é caro. Têm seguro, estacionamento, multas. Automóvel também não é investimento. Com a depreciação, um carro de R$ 60 mil, em dois anos, vale R$ 30 mil. Perdem-se R$ 15 mil por ano, mais de R$ 1 mil por mês.

Ao longo deste ano, o médico escreveu seu último livro (Uma gota é um pingo) durante viagens de táxi. O livro de frases, de cem páginas, foi lançado há duas semanas.

Escrevia no iPhone e mandava, por e-mail, para mim mesmo conta.

Oscar tomou a decisão de vender um dos carros há dois anos. O outro fica para a família: para levar as crianças à escola, fazer compras e sair nos fins de semana.

Moradora do Leblon, a gestora cultural Flávia Faria Lima vendeu seu automóvel há um ano e meio. Também só viu vantagens:

Se computarmos o que gastamos com manutenção, IPVA e guardadores, andar de táxi é mais prático e econômico.

Para viagens curtas, Flávia tem a solução:

A gente aluga ou vai no carro de amigos.

Poucas vagas, custo de manutenção alto, engarrafamentos e estresse no trânsito. Esses foram os motivos que levaram a diretora de produção e cineasta Veronica Menezes, de 40 anos, a vender o carro. Ela dirigiu dos 18 aos 39 anos:

Quem sente falta? Falta de quê?

Menos tempo entre a casa e o trabalho

Veronica foi se libertando do carro gradativamente. O processo começou em 2005, quando ela se mudou da Tijuca para o Leme.

Vivia na Tijuca. Trabalhava e estudava na Zona Sul. Morava dentro do carro. Quando me mudei, passei a usar o carro só para trabalhos na Barra. Com o tempo, fui recusando serviços distantes, para ter mais qualidade de vida.

A bicicleta e, eventualmente, o táxi são os atuais meios de transporte de Veronica:

É ótimo pedalar e ouvir musica. É ruim chegar suada no trabalho. Quando está muito quente, também é chato. Mas é melhor do que ficar engarrafada e procurando vaga.

Depois da venda do carro, Veronica passou a ter uma vida mais saudável:

Durmo melhor, bebo menos, os amigos e os programas mudaram. Até parei de fumar.

Designer de interiores, Mônica Nobre voltou a morar no Rio há dez anos, após um período trabalhando em São Paulo. Nos anos seguintes a seu retorno, quando começou a namorar o atual marido e o via reclamando do trânsito da cidade, dizia:

Você fala assim porque não conhece o trânsito de São Paulo.

Há três anos, Mônica se convenceu de que o tráfego do Rio estava prestes a se comparar ao de São Paulo. Foi, então, que decidiu vender o carro. Agora, anda a pé, de bicicleta ou de táxi.

Não quero mais carro. É uma encrenca.

Mônica achou que se acostumaria:

Senti um desapego. O trânsito vai ficar cada vez mais uma loucura. Estou superfeliz. Atendo a meus clientes sem carro e não tenho estresse.

Locutor da rádio Nativa FM, mesmo com estacionamento no local de trabalho, no bairro da Saúde, Paulo Henrique de Góes, o PH, há seis meses vendeu o carro e aderiu a um novo costume. Morador de Copacabana, pega o metrô até a estação Central. De lá, segue de ônibus.

Aos 47 anos, PH tinha carro desde os 21. O locutor concluiu que estava sustentando uma família. Tinha prestação de R$ 800, R$ 300 de garagem, gasolina, manutenção e IPVA. Ele fez as contas e viu que, de abril deste ano a fevereiro de 2013, vai economizar pelo menos R$ 10 mil.

Um casal pode passar uma semana em Nova York se andar de metrô e ônibus por um ano no Rio comenta o locutor.

O ganho de PH foi também de tempo:

Por causa dos engarrafamentos, levava 40 minutos de casa até o trabalho. Hoje, gasto 25.

Ex-funcionária da Secretaria de Comércio Exterior, Ieda Fernandes se aposentou há dois anos e meio. Além de deixar de morar em Brasília de segunda a sexta-feira, Ieda se mudou da Tijuca para Copacabana.

Gastava R$ 7 mil por ano com o carro que trouxe de Brasília. Em abril, decidi vendê-lo. Agora, ando a pé, de metrô ou de táxi. Do jeito que o transito está, não vale a pena ter carro diz Ieda. Só estava usando para lavar e emplacar. Quando vendi, meu carro tinha quatro anos e somente 8.500 quilômetros rodados.

Na Zona Sul, Ieda faz tudo a pé. Quando quer viajar, tem a opção de usar o automóvel do marido. Ela tem carteira de habilitação desde os 24 anos e adora dirigir. Mas garante que não está sentindo a menor falta do carro:

Na Zona Sul, você quase não usa carro. Temos muita condução e estacionar é horrível.

Bonde das bicicletas para o trabalho

A funcionária pública Maysa Blay não vendeu o carro, mas usá-lo para ir trabalhar, no Centro, nunca esteve nos planos. Automóvel, só para sair à noite e nos fins de semana. Há dois anos, Maysa deu um passo adiante: trocou o ônibus pela bicicleta no trajeto de casa, em Laranjeiras, para o trabalho. Com isso, reduziu a duração do trajeto de 40 para 15 minutos.

Economizo tempo. A cidade está saturada de carros. A bicicleta é mais saudável para as pessoas e a cidade.

Há três semanas, Maysa viu que era hora de criar o bond-bike, através de seu perfil no Facebook. Moradores da Zona Sul se encontram no Largo do Machado, às 7h45m, de segunda a sexta-feira, e formam o bonde das bicicletas. Seguem para o trabalho, no Centro, pedalando.

Não passamos despercebidos pelos motoristas com que cruzamos pela rua, às vezes, parados em engarrafamentos diz Maysa.