Uso de carros aumenta em dez anos e Região Metropolitana passa a ter três horários de rush

15/12/2014 - O Globo

Plano estadual de mobilidade detecta piora no trânsito. Tempo médio de viagens cresceu 32%

EMANUEL ALENCAR

Motoristas enfrentam rush na hora do almoço na Lagoa: número maior de veículos particulares ajuda a deixar trânsito complicado - Marcelo Carnaval / Agência O Globo

RIO — Funcionária da prefeitura de Duque de Caxias, Vanessa Arduina, de 34 anos, mora no Catete e todos os dias perde pelo menos 90 minutos no trajeto de casa para o trabalho. Mesmo enfrentando o risco de pegar um enorme congestionamento, ela continua apostando no carro, diante da ineficiência e da falta de pontualidade do transporte público. Ainda longe dos preceitos sustentáveis, a dinâmica dos deslocamentos da Região Metropolitana do Rio continua bastante focada no transporte individual, em detrimento do coletivo. É o que mostram dados recentes do Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU), apresentados nesta segunda-feira pela Secretaria estadual de Transportes. Em 2003, o transporte individual era utilizado por 25,8% da população diariamente. Em 2012, 28,5% passaram a fazer uso dessa alternativa. Por outro lado, 74,2% usavam o transporte coletivo em 2003, fatia que encolheu para 71,5% em 2012.

Isso significa que o número de viagens de carro, táxi e motocicleta aumentou cerca de 3 pontos percentuais no período — mesmo índice de revés nas viagens de trem, metrô, ônibus e barcas. Em números absolutos, porém, todos os modais ganharam passageiros, algo esperado em função do crescimento da cidade: as viagens em coletivos subiram em 1,8 milhão por dia, totalizando 11 milhões. Enquanto isso, as viagens em transporte individual aumentaram 1,1 milhão por dia, chegando a 4,4 milhões. Também em função disso, o tempo médio diário gasto pelos motoristas de carro subiu 32%.

TENDÊNCIA É CENÁRIO MUDAR

Na avaliação do engenheiro Willian Aquino, especialista em transportes e coordenador do estudo, a política adotada pelo governo estimulou o uso de veículos de passeio — expressa no represamento dos preços da gasolina e nas facilidades de crédito. Embora reconheça que o retrato não foi positivo, Aquino lembra que a tendência para os próximos anos pode se inverter.

— A tendência do período estudado foi de maior utilização dos automóveis. Gasolina barata, estacionamentos sem controle, facilidade para comprar carro e aumento da renda média ajudam a explicar esse crescimento da maior utilização percentual dos automóveis — avalia Aquino. — Fica o alerta, mas essa não é uma situação inexorável. É claro que a pesquisa mostra uma situação preocupante. Mas acredito que o cenário possa mudar nos próximos anos. O Rio tem investido no transporte de massa, em BRT, VLT, nos bloqueios de acesso aos veículos de passeios em algumas regiões.

TRÊS HORÁRIOS DE RUSH

Em entrevista nesta segunda-feira ao programa "Bom dia, Brasil", na TV Globo, a secretária estadual de Transportes, Tatiana Carius, reconheceu que ainda há muito a ser feito para melhorar o transporte de alta capacidade na Região Metropolitana. Mas destacou os avanços conquistados desde 2007.

— Mobilidade urbana é o desafio de todas as grandes cidades. Temos que levar mais qualidade, conforto e pontualidade aos usuários. Não temos a utopia de ter resolvido os problemas. Mas o governo do estado vem investindo maciçamente, desde 2007, em transporte de massa. Ninguém constrói metrô de um dia para o outro — disse Tatiana, lembrando que o número de passageiros nos trens passou de 325 mil por dia, em 2007, para 680 mil, em 2014.

Vanessa Arduina, que abre mão do deslocamento sobre trilhos diariamente, preferindo seu carro para percorrer 57 quilômetros (viagens de ida e volta somadas), atribui os principais gargalos à falta de pontualidade e à integração deficiente entre os modais.

— Não vale a pena eu pegar ônibus e trem se não terei qualquer garantia de chegar na hora. Quem mora na Zona Sul e trabalha no Centro ainda se beneficia pegando apenas o metrô. No meu caso, teria que depender da pontualidade do trem e do ônibus, o que complica demais. Demoro muito para me deslocar de carro, mas ainda é a melhor opção — argumenta.

Quem também sente na pele as dificuldades de locomoção é Liliane Martins, de 36 anos, moradora de Itaboraí.

— Trabalho na Tijuca. O trânsito está cada vez mais complicado. Desde que comecei a trabalhar no Rio, há uns 18 anos, eu vejo mais carros nas ruas, o que piora o trânsito. Sem contar com as obras. Hoje tenho que sair de casa às 5h15m para estar no serviço às 8h. Pego um ônibus e um metrô para chegar — diz a cuidadora de idosos.

O PDTU mostrou que Liliane não está sozinha em seu sacrifício diário: quem usa transporte público sai mais cedo de casa, a maioria pouco antes da 6h. Ainda segundo a pesquisa, a hora do rush também acontece atualmente ao meio-dia — horário de almoço e de saída e entrada das escolas — e não apenas mais no começo da manhã e no fim da tarde.

MENOS PASSAGEIROS DE VANS

Outra constatação do estudo é que houve significativa redução do número de passageiros do transporte alternativo de 2003 para 2012. As viagens de vans e Kombis sofreram revés de 59,65% no período, caindo de 1,6 milhão/dia para apenas 658 mil.

Os deslocamentos a pé ou de bicicleta também caíram cinco pontos percentuais — de 37% para 31,8%.

— Com a implementação do bilhete único, pessoas que faziam viagens a pé ou de bicicleta para economizar dinheiro passaram a utilizar o transporte público. Uma parcela mais significativa de moradores do subúrbio — avalia Willian Aquino.

O economista Marcos Poggi, especialista em planejamento de transportes, também acredita em uma mudança de tendência na próxima década. Ele defende a implementação de políticas que tornem o uso do carro menos atraente:

— O aumento do uso do carro é inegável, mas essa tendência deve ser revertida. Infelizmente, as autoridades brasileiras ainda consideram pouco as alternativas de desestimular o uso do transporte individual colocando imposto na gasolina, ou induzindo o condutor particular a pagar mais por esse privilégio.

QUASE 300 MIL QUESTIONÁRIOS

Com o objetivo de traçar o segundo Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) do estado, que servirá de base para as políticas públicas no setor para os próximos anos, quase 300 mil questionários foram aplicados ao longo de 2012 e nos primeiros meses de 2013. Com recursos do tesouro estadual e do Banco Mundial (Bird), foram ouvidas pessoas em todas as estações de metrô, trens, barcas, postos de vistoria do Detran, rodoviárias de Rio, Niterói, Caxias e Campo Grande, além de aeroportos, todas as grandes rodovias de entrada da Região Metropolitana e portos. O primeiro PDTU foi feito em 2003, ainda no governo Rosinha Garotinho.

O estudo mapeia viagens de pessoas que moram há mais de cinco anos na Região Metropolitana do Rio. No transporte individual (veículos de passeio e motos), 43% dos entrevistados no último PDTU disseram se deslocar de casa para o trabalho, 34% de casa para compras, médicos e lazer e 11% de casa para o local de estudo. Já 52% dos que usam o transporte coletivo ou de massa fazem o percurso casa-trabalho e 20% vão de suas residências para locais de estudo. Em 2012, houve em média 1,8 milhão de viagens integradas — em diferentes modais — por dia.