Obra devolve imponência a um ícone do modernismo

12/04/2015 - O Globo

O barulho dos martelos é constante, e os tapumes ainda podem ser vistos ao longo dos grandes corredores. Mas, aos poucos, a fachada renovada do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Morais — Pedregulho, para os íntimos —, com suas linhas sinuosas, reaparece com toda a sua imponência na paisagem de Benfica. As janelas, que no projeto original de Affonso Eduardo Reidy eram de madeira, e há muito estavam destruídas, foram substituídas por estruturas de alumínio pintadas de azul. Os cobogós e brise-soleil foram restaurados, e os pisos e os azulejos, trocados. Foram quatro anos de obra para recuperar a estrutura e a aparência de um dos maiores exemplos da arquitetura moderna no país.

— A previsão é entregar a obra, que faz parte do programa De cara nova, agora em abril. A primeira parte do trabalho foi para corrigir um problema estrutural do prédio. Nesta fase, fizemos a recuperação visual do Pedregulho. Ainda queremos fazer uma terceira etapa, na qual vamos recuperar outras partes do projeto, como o posto de saúde, os jardins de Burle Marx e as áreas de lazer. Mas, para isso, precisamos fazer uma licitação — explica o secretário estadual de Habitação, Bernardo Rossi.

SOB ANÁLISE DO IPHAN

Realizada pela Companhia Estadual de Habitação ( Cehab), a obra custou R$ 46 milhões. A recuperação do Pedregulho é uma das condições do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o tombamento federal. O prédio de 328 apartamentos, projetado por Reidy nos anos 1940 para receber funcionários públicos do antigo Distrito Federal, é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) e pela prefeitura. No Iphan, o processo de preservação está em análise desde 1997.

Construídos na década de 50, imóveis custam até R$ 300 mil

Com unidades de 1 a 4 quartos, conjunto era ocupado por servidores

Quando foi construído pelo Departamento de Habitação Popular da prefeitura do Distrito Federal, na década de 1950, a ideia era que os imóveis — há unidades de quarto e sala e apartamentos dúplex de até quatro quartos — fossem ocupados por funcionários federais de diferentes classes sociais. Com o tempo, porém, essas unidades foram transferidas para outros moradores, por meio de contratos de gaveta (sem escritura), o que transformou o prédio numa espécie de Torre de Babel contemporânea.

— Em novembro de 2010, um quarto e sala era vendido por R$ 8 mil. Hoje chega a R$ 70 mil. Os apartamentos de quatro quartos estão saindo por R$ 300 mil. Muita gente veio procurar apartamento depois da obra, mas poucos querem vender — diz Hamilton Ildefonso Marinho, presidente da associação de moradores.

Entre os que não pretendem vender o imóvel está Miguel Dias de Alcântara, de 93 anos. Antigo funcionário do Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal, ele testemunhou a construção dos prédios.

— Eu era motorista da Carmem Portinho (engenheira responsável pela construção e mulher de Reidy). Aqui é muito bom para morar. No começo, pagava aluguel, mas hoje só pago à associação. Tenho o direito de posse — conta ele, que mora sozinho num dúplex de dois quartos.

Convencer os moradores, um dos desafios encontrados

Operários tiveram de entrar nos apartamentos para trocar esquadrias

Recuperar o projeto original criado por Affonso Eduardo Reidy em 1946 não foi tarefa simples. Uma marcenaria foi montada dentro do conjunto residencial. O maior desafio, no entanto, foi convencer os moradores sobre a necessidade de intervenções dentro dos 328 apartamentos.

— Ninguém saiu de casa. Tínhamos que interditar um trecho de cerca de um metro dentro dos apartamentos para que os operários pudessem trocar as janelas pelas esquadrias de alumínio. Por isso, foi uma obra demorada. Nem sempre as pessoas querem que o serviço seja feito naquele momento, nem sempre querem sujeira. Apenas cinco moradores não permitiram a entrada dos operários no apartamento. Vamos esperar o fim da obra para saber como isso será resolvido — explica o engenheiro Roberto Nicaretta, da empresa Concrejato, responsável pela intervenção.

Apesar da reforma, um dos entraves para o tombamento do Pedregulho pelo Iphan são as invasões no entorno do complexo. O terreno onde funcionava a lavanderia, por exemplo, hoje serve como estacionamento. Segundo moradores, o local está sendo usado por caminhões da Comlurb, informação contestada pela companhia. Para o superintendente do Iphan no Rio, Ivo Barreto, no entanto, essa questão não influenciará a decisão:

— Esse projeto é um ícone da arquitetura moderna, e a sua manutenção é importante. Foi um processo que ficou parado muito tempo por causa do estado de conservação do prédio.