Sem fiscalização, favelas avançam em áreas nobres de Niterói

Em Itaipu, barracos invadem reserva e, em Santa Rosa, multiplicam-se no Morro do Beltrão

POR RENAN ALMEIDA / LEONARDO SODRÉ

18/05/2015 8:00 / ATUALIZADO 18/05/2015 10:56

Barraco da Favela do Rato Molhado encosta em muro de condomínio em Itaipu:Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
Barraco da Favela do Rato Molhado encosta em muro de condomínio em Itaipu:
Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo


NITERÓI — Morador de Santa Rosa há mais de três décadas, o administrador que pediu para ser identificado apenas como Bruno vive num prédio com vista plena para o Morro do Beltrão e pôde acompanhar todas as etapas de expansão da favela sobre a área verde do morro. Viu também o tráfico ganhar força na região e aprendeu a conviver com algumas políticas de boa vizinhança impostas pelos criminosos:
 
VEJA: Imagens de satélite mostram o crescimento de favelas de Niterói

— Não posso deixar vocês subirem no térreo para fotografar. Do alto vocês vão notar o crescimento da favela, mas ao mesmo tempo vão estar de frente para a boca de fumo. Aí, se alguém de lá perceber, pode dar algum problema para o condomínio — pondera Bruno, que acrescenta: — Os próprios moradores são orientados a não ficarem na janela do prédio com o celular na mão.

Embora seja uma favela antiga, quem mora ali se queixa que as construções continuam ocupando novas áreas do morro, na parte da comunidade virada para a Rua Mário Viana. No encosta, muito íngreme, a prefeitura planeja executar uma obra de contenção, mas ainda aguarda a liberação de verba. Comparando imagens aéreas de 2005 e 2015 é possível notar a diferença. E a insegurança de Bruno em permitir fotografar o lugar se explica: na última terça-feira houve intensa troca de tiros na área do Beltrão durante a manhã e à noite.

Longe dali, num condomínio em Itaipu, na Região Oceânica, a imagem da desigualdade social é mais escandalosa. A partir dos anos 90, a comunidade do Rato Molhado começou a ocupar o morro aos fundos do Vale de Itaipu. Hoje, casas de luxo e barracos são separados por uma parede.

O condomínio faz fronteira com A RESERVA Darcy Ribeiro e com um loteamento que dá na Avenida Central. O empresário José Eduardo mora ali, numa casa próxima à favela e lamenta ter visto árvores sendo postas abaixo no morro em frente à sua casa:

— Fiz denúncias quando derrubaram árvores para construir no morro e não deu em nada. É o absurdo do absurdo.

O síndico do condomínio, Wilson José, acompanhou a aparição dos primeiros barracos ali. Segundo ele, no início dos anos 90 o condomínio tentou em vão murar a área antes de a favelização ocupar os dois lados do morro. Embora o canto dos pássaros às vezes seja interrompido pelo barulho de tiros, Wilson diz que os traficantes vizinhos não levam problemas ao condomínio.

— A gente sabe que 90% dos moradores são de bem. Nunca tivemos problemas por conta disso, cada um vive no seu canto.


Moradores vizinhos ao Morro do Beltrão, em Santa Rosa, dizem que, a cada dia, barracos ocupam áreas desabitadas - Pedro Teixeira / Agência O Globo

O Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (Nephu) da UFF monitorou durante dez anos, de 2000 a 2011, o crescimento das favelas em Niterói. De acordo com o estudo, a área ocupada por assentamentos precários aumentou 11,30% no período. Em 2000, eram 30.957 domicílios em favelas. Mais de uma década depois já eram 40.655. Já um relatório da Ampla enviado à Aneel para discutir revisão tarifária de 2014 mostra que, em 2008, a empresa tinha 33.386 clientes em áreas de risco. Em 2013, esse número mais do que dobrou, saltou para 71.438, apresentando um crescimento de 113,9%.

— Isso aconteceu porque a ideia que o gestor público tinha era de que não criando moradias de interesse social na cidade não atrairia pobre, mas é uma ideia errada. Para combater a pobreza são necessárias políticas de inclusão e igualdade de renda — destaca a coordenadora do Nephu, Regina Bienenstein.

A prefeitura informou, através de nota, que acaba de concluir um estudo com base em levantamento fotográfico aéreo digital da cidade "que permitirá o monitoramento e controle adequados da expansão demográfica em todo o município". Ainda de acordo com a nota, o mapeamento das áreas com crescimento desordenado em todas as regiões e bairros está sendo finalizado para a elaboração do novo Plano Diretor de Niterói. Somente após a conclusão desse diagnóstico será possível intensificar as fiscalizações e implementar as ações específicas que visem ao ordenamento desses territórios.

IMAGENS DE SATÉLITE MOSTRAM O CRESCIMENTO DE FAVELAS

O crescimento de algumas favelas em Niterói pode ser constatado através da comparação de imagens por satélite. Num intervalo de dez anos, é possível ver novas construções avançando sobre a mata e encostas em assentamentos precários em diferentes regiões da cidade. Na localidade do Caniçal, no Cafubá, a área verde entre as ruas 415 e Deputado José Luís Erthal foi bastante ocupada e quase desapareceu na última década. No Morro do Cavalão, entre Icaraí e São Francisco, percebe-se aumento do número de casas sobretudo nas partes altas da favela. E no Morro do Beltrão, em Santa Rosa, trechos de áreas verdes não existem mais.


Imagem de satélite da comunidade do Caniçal, no Cafubá, captada em 2005 e em 2015: áreas verdes dão lugar a construções - Google Earth / Reprodução

— O Caniçal é uma favela antiga. Se houve o crescimento foi porque o governo não fez a regularização fundiária e urbanística nem construiu moradias populares. As pessoas precisam morar. Assim como a propriedade é um direito, garantido pela constituição, morar também é — destaca Daniel Souza, presidente do núcleo Niterói do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).

No período monitorado pelo Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (Nephu) da UFF, de 2000 a 2011, o número de domicílios em assentamentos precários no Caniçal cresceu 47,47%: eram 297, em 2000 e passaram para 438, em 2011. No Beltrão, aumentou 8,23%, saltando de 620 para 271 casas no período. O Nephu apurou um crescimento de 35,20% na área que inclui Cavalão, Vital Brazil e Souza Soares. Entre os bairros de Icaraí e São Francisco, em 2000, havia 1.128 residências em assentamentos precários; em 2011 eram 1.525.

De acordo com o estudo, os assentamentos precários em áreas menores e de formação mais recente tiveram um crescimento percentual maior, mas a expansão foi mais significativa em favelas já consolidadas. A comunidade Cacilda Ouro, no Engenho do Mato, por exemplo, aumentou 241,67%: eram 12 casas, no ano 2000, e passou a ser 41, em 2011. Apesar de um percentual de crescimento menor no Morro do Preventório (29,67%), o aumento no número de residências foi mais considerável: de 1.028 para 1.333. Foram mais 305 casas em dez anos.

— Os assentamentos precários de Niterói ainda não chegaram na situação de descontrole como no Rio. Ainda é possível conter o crescimento e melhorar a vida de quem vive nesses locais. Para isso, é preciso urbanizá-los e fazer a regularização fundiária — alerta a coordenadora do Nephu Regina Bienenstein.

Na área de habitação, a prefeitura informa que desenvolve o programa Morar Melhor, em que 2.774 unidades estão contratadas e/ou em obras. Através de nota, acrescenta que prepara o Plano Municipal de Regularização Fundiária "que vai reverter as irregularidades fundiárias propondo melhorias habitacionais em situação ambientalmente adequada e socialmente justa, ora em fase de licitação"

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