União registra terras do Jardim Botânico e prepara retirada de famílias


Ministra do Meio Ambiente diz que hectares delimitados constam do Registro Geral de Imóveis
   
POR SELMA SCHMIDT 23/03/2016  

Com a delimitação das terras do Jardim Botânico, famílias que estão dentro do parque terão de sair - Pablo Jacob - 06/09/2012 / Agência O Globo

RIO - Em 5 de maio de 2013, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, esteve no Rio para anunciar a decisão do governo federal de fazer o registro em cartório do perímetro histórico do Jardim Botânico e de reintegrar ao parque as terras ocupadas por 520 famílias. Na última segunda-feira, quase três anos depois, a ministra voltou à instituição para informar que, depois de muitas idas e vindas, os 130 hectares delimitados, finalmente, constam do Registro Geral de Imóveis (RGI) em nome da União. O próximo passo na batalha para devolver o que foi do Jardim Botânico no passado consta num aviso de Izabella encaminhado ao ministro de Planejamento, Valdir Simão, em que ela diz ser “iminente a assinatura do contrato de cessão da área” ao parque.

Com a cessão das terras ao parque, será disparado o cronômetro para o cumprimento de acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU) que fixam prazos para que os imóveis ocupados por comunidades do Horto sejam liberados. No documento enviado em 15 de março ao Ministério do Planejamento — ao qual a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) é vinculada —, a ministra deixa claro que, em 60 dias, 130 famílias com ações já transitadas em julgado, ou seja, sem possibilidade de recursos, terão de ser retiradas do parque. Para as outras, ainda sem ações ajuizadas, o prazo é de 90 dias para impetrar os processos.

Para elaborar o aviso, a ministra se respaldou em nota técnica assinada pelo procurador-chefe do Jardim Botânico, Marcos da Silva Couto. Ela esclarece que, independentemente dos prazos dos acórdãos, ainda em março e no mês que vem, estão previstas “a execução, sem condições de procrastinar, de oito reintegrações de posse". Para os moradores de uma delas, que se encontra dentro do arboreto, foi oferecido um imóvel no Santo Cristo, mas a proposta foi rejeitada. As demais residências ficam nos locais conhecidos como Grotão, Margaridas e Major Rubens Vaz.

A presidente do Jardim Botânico, Samyra Crespo, comemorou o registro das terras em nome da União:

— Foi uma vitória dessa instituição bicentenária. O próximo passo é o Jardim Botânico ter as terras sob seu domínio, para que locais degradados possam ser recuperados. Não cabe ao Jardim Botânico prover casas para as famílias que ocupam suas terras. Contamos com a boa vontade das autoridades, especialmente municipais, para que a desocupação ocorra de forma pacífica e respeitando a dignidade das pessoas. Cabe, sim, ao instituto a expansão do parque, a sua requalificação e impedir que ocorram invasões.

GRUPO BUSCA ALTERNATIVAS PARA FAMÍLIAS

Um grupo de trabalho, liderado pelos secretários-gerais dos dois ministérios, está encarregado de traçar soluções para o reassentamento dos ocupantes das casas dentro do perímetro do Jardim Botânico. Por e-mail, o Ministério Planejamento informou que houve diversas conversas com o prefeito Eduardo Paes sobre o assunto. “Em duas ocasiões, foram ofertadas unidades habitacionais a serem construídas na região do Porto”, mas “ainda não houve formalização de acordo”.

No aviso, Izabella Teixeira também cita a possibilidade de um acordo com Paes. “A SPU, após identificação de terrenos alternativos de construção, segundo informações disponíveis, terminou optando por acordar com a autoridade local, prefeito Eduardo Paes, no sentido de garantir ao menos 360 imóveis do Minha Casa Minha Vida, na área portuária do Rio de Janeiro, de forma a poder garantir alternativas de moradia ao menos para os moradores de áreas de risco ou dano ambiental e portadores de direito”. Por meio de sua assessoria, o prefeito disse que nada há de concreto sobre o assunto. 

Da reunião com a ministra, participaram diretores do instituto e membros dos conselhos de Desenvolvimento Sustentável, Curador do Museu do Ambiente e Gestor do Programa Socioambiental. Conselheira de Desenvolvimento Sustentável, a socióloga e ambientalista Aspásia Camargo se mostra otimista com a retomada das terras do Jardim Botânico:

— O registro foi um passo importante, decisivo e irreversível. O que está em processo de implementação são as decisões finais do TCU. É preciso encontrar uma solução para a população que mora no perímetro do Jardim Botânico.

Já a presidente da Associação de Moradores e Amigos do Horto, Emília de Souza, disse que nada sabe sobre o registro das terras e a desocupação de imóveis:

— A SPU não nos passou nenhuma informação — afirmou Emília.

UMA BATALHA QUE JÁ DURA CERCA DE TRÊS DÉCADAS

Cedidas no passado a antigos funcionários para que eles pudessem viver perto do trabalho, as terras do Jardim Botânico acabaram virando objeto de uma longa batalha judicial, travada há cerca de três décadas. Os casas das comunidades do Horto foram passando de pais para filhos. Algumas chegaram a ser alugadas e até vendidas.

Mas o assunto deixou de ser meramente habitacional, ganhando conotação política, uma vez que a presidente da Associação de Moradores e Amigos do Horto, Emília Souza, é filiada ao PT e irmã do ex- deputado federal Edson Santos.

Várias ações de reintegração de posse foram movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), mas acabaram não executadas. Acionado, o Tribunal de Contas da União (TCU) também estabeleceu medidas e prazos, visando à incorporação da área ao Jardim Botânico.

Questão pedente desde que o Jardim Botânico foi criado por dom João VI, em 1808, só foi resolvida em maio de 2013, quando a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, anunciou a delimitação do parque. 

Um ano depois, ocorreu a primeira desocupação dentro da área do Jardim Botânico após a delimitação: o Clube Caxinguelê foi despejado, depois de uma disputa de 20 anos na Justiça. Um grupo de moradores que ocupa casas dentro do parque resistiu, e houve confronto com policiais que acompanhavam a ação de uma oficial de Justiça.

Nos últimos três anos aconteceram tão somente a retomada do Clube Caxinguelê e da casa de uma moradora, que passou a viver num asilo, embora tenha mantido os móveis no local. Dois ex-funcionários da instituição também se mudaram, devolvendo espontaneamente as casas à SPU.

Pela delimitação, ficaram fora do perímetro do Jardim Botânico as 101 construções da Estrada Dona Castorina, erguidas em terrenos da União. A Escola Municipal Julia Kubitschek, uma subestação da Light e uma zona eleitoral do TRE vão continuar dentro da área do parque. Mas as instalações do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) terão de ser desativadas, embora, até agora, não haja uma data para isso acontecer. A sede da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi excluída da delimitação. 

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