Avenida Brasil

Invasão na Avenida Brasil é fonte de renda para criminosos

26/12/2021 - Diário do Rio

Por Quintino Gomes Freire

Gangue de invasores do prédio da antiga Hermes Macedo dividiu o espaço em muitas lojinhas que são alugadas por cerca de R$ 1.500,00 a R$ 2.000,00 cada uma. Com o despejo decretado desde 2012 e suspenso por causa do "espírito natalino", a desordem urbana e a esperteza driblam o judiciário há 9 anos.

O antigo lojão da HM Pneus foi invadido por uma gangue que tem lucros estratosféricos com a locação de lojinhas em um ponto movimentado da avenida Brasil, na esquina da avenida Paris, em frente à passarela. Já ganharam até com um enorme salão de Bingo


Nos anos 90, sucumbiu para sempre uma grande empresa sulista, com filiais pelo Brasil todo. Era a Hermes Macedo, famosa por sua decoração de Natal todos os anos, e pelo slogan “Pneu Carecou ? HM Trocou !“. No Rio, a ‘jóia da coroa’ era o grande complexo comercial de propriedade da empresa, na esquina da Avenida Brasil com a Avenida Paris, em Bonsucesso. Um grande terreno com um lojão onde era possível fazer qualquer tipo de serviço automotivo, com endereço pela avenida Brasil, 5575, bem em frente à passarela que cruza o famoso logradouro.

Após a derrocada da Hermes Macedo – que chegou a ter 180 destas grandes lojas – o imóvel passou a ser parte de uma Massa Falida, e chegou a ser alugado ao Unibanco. Por fim, com o estouro da empresa, foi dado, através de processo trabalhista, como pagamento a um de seus funcionários, a quem a HM devia por anos de trabalho. Como ocorre no Brasil com freqüência, após sair das mãos de um grande grupo empresarial, e ser entregue a um trabalhador, começaram os problemas, que acabaram coincidindo com o descontrole urbano do Rio e a onda de invasão a imóveis.

A Hermes Macedo foi uma das maiores empresas do ramo automotivo de todo o Brasil. Com sede em Curitiba, durante mais de 70 anos se destacou no ramo de auto peças e importações, assim como pneus. Falida, seus imóveis acabaram servindo para pagar a credores. Foto Jornal O Município, de Blumenau


Antes que o novo dono pudesse usufruir finalmente do que lhe devia a HM, o imóvel foi invadido por uma gangue de invasores, destas que vêm transformando o Rio de Janeiro no que ele é hoje. O imóvel foi loteado e transformado em dezenas de lojinhas e apartamentos, além de um salão utilizado para jogos de azar ilegal e até uma casa de festas, além de um estacionamento irregular. O grupo, que já teve o despejo decretado diversas vezes e acaba sempre conseguindo uma liminar ou algum tipo de decisão provisória adiando mais um pouco sua expulsão do imóvel que ocupa irregularmente, vive da caridade judicial – feita, obviamente, com o dinheiro dos outros.

O DIÁRIO DO RIO esteve no local e verificou como o negócio funciona. Toda a periferia do imóvel é ocupada por lojinhas, alugadas de “R$ 1.500,00 a R$ 2.500,00” por mês, segundo informou um homem sentado numa cadeira e que seria o único responsável por dar atendimento a interessados em alugar os imóveis da gangue. O pagamento é feito em dinheiro, e o grupo toma cuidado para não colocar anúncios em portais e nem em jornais. “Tudo é feito de boca“, disse Antônio, um vendedor ambulante que trabalha ali perto.

Pujante, o comércio na antiga sede da Hermes Macedo, em Bonsucesso, conta com todas estas lojinhas, devidamente alugadas, cada uma por mais de R$ 1.500,00 por mês. Elas teriam ligação de luz independente, mesmo sendo invasões de propriedade privada. As fotos foram tiradas de mau jeito, pois nossa equipe foi ameaçada por um homem parrudo, de cabelo arruivado, quando começamos a tirar as fotografias normalmente. Segundo ele, a “área é da milícia” e “não pode tirar foto”.

Dentro do imóvel, foram construídas, convenientemente, umas 10 casinhas residenciais, que servem de álibi para sensibilizar magistrados e promotores que gostam de fazer caridade com o dinheiro alheio. Ali, argumenta-se no processo judicial, que moram pessoas carentes, doentes, menores de idade, diabéticos, idosos, pessoas com câncer, uma verdadeira colônia hospitalar. Incrível que não parece ter ninguém saudável. Coincidência curiosa. Mas apesar de tudo, algumas das casas dos invasores têm até piscina de fibra. Deve ser pra hidromassagem.

Ninguém sabe quanto se fatura com o salão e jogos ilegais, que, dependendo da época, conta com máquinas de caça-níqueis, bingo ilegal e muito mais. O ‘estabelecimento’ já foi fechado algumas vezes, e, por isso, abre e fecha em certas épocas do ano, para despistar. São diversas as notícias em jornais de grande circulação. Não que isso tenha adiantado de nada. Ao tentarmos fotografar o local, nossa equipe de reportagem foi ameaçada por um homem alto, parrudo, de cabelo levemente arruivado. Segundo ele, a “área é da milícia” e “é proibido tirar foto“. Ele nos obrigou a apagar as fotos, e tivemos que voltar outro dia para tirar as fotos que ilustram a reportagem, que só mostram ruas vazias pois foram tiradas praticamente ao nascer do sol.

O ponto comercial é de grande circulação. As lojinhas estão sempre totalmente alugadas. O “Bar do Baixinho“, mais um “inquilino” da gangue de invasores, é um point na região. Vive lotado na hora do rush, com centenas de pessoas se acotovelando para beber e festejar dentro do imóvel invadido. O fluxo da passarela é tão grande que nenhum imóvel no “shopping da bandalha” fica jamais vazio. “A grana aqui corre solta“, disse o camelô.

Curiosamente, a gangue de invasores conta com a leniência da Light e da CEDAE. Têm água e luz oficiais, segundo informa o “corretor da cadeirinha“. Todo mundo consegue ligar sua luz e água, e, pasmem! Segundo ele, cada um tem seu próprio relógio! A gangue, mesmo com despejo decretado dezenas de vezes, sem nenhum tipo de documento, alugando o imóvel dos outros – claro, faturando uma estimativa de mais de 40 mil reais por mês nas barbas do judiciário – não tem dificuldades em convencer as concessionárias de serviços públicos a conectar energia elétrica a seus ‘locatários’. Agora vá você, leitor, pedir ligação de luz na sua casa ou comércio, com um documento rasgado na pontinha, ou sem um contrato de locação acompanhado de uma matrícula do registro de imóveis mostrando que quem alugou é a mesma pessoa que é dona…

Há 9 anos, uma juíza trabalhista suspendeu o despejo que ocorreria finalmente e poria fim à mamata milionária da gangue de invasores, por conta do “espírito de natal”. O despejo foi adiado no fim de 2012 para que as ‘famílias’ passassem um último natal no local (leia-se, e os invasores faturassem mais um mês de aluguel). O desalijo dos criminosos e seus inquilinos ocorreria em janeiro de 2013. O ano é 2021, e ainda estão por lá. Um novo despejo em 2021 foi suspenso, “por causa da pandemia“. Afinal, os invasores que estão lá há quase 20 anos faturando o que já se estima em milhões de reais, foram prejudicados pela COVID-19. Acontece nas melhores famílias.

O processo aguarda supostamente o fim da pandemia para efetivar o despejo da gangue de invasores. Para o bem do Rio, é o que se espera que ocorra, para que a Hermes Macedo não vire uma nova Borgauto.

Procuramos o ex-funcionário da Hermes Macedo e o Sindicato que lhe assistiu durante o processo em que “recebeu” o imóvel de indenização, mas eles não quiseram se pronunciar. A matéria foi totalmente escrita com base no processo judicial, que corre na vara de Campos dos Goytacazes, e com base nas entrevistas de pessoas que preferiram permanecer anônimas, com medo das retaliações do grupo de invasores, que, segundo um de nossos entrevistados, “toca o terror”. Quem duvida?