Invasões

Desocupação de prédio no Centro do Rio gera confusão entre PMs e moradores

16/11/2022 - G1 Rio

Por Rafael Nascimento de Souza, Raoni Alves, Márcia Brasil e Eduardo Tchao, G1 Rio e TV Globo

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas diz que cerca de 70 famílias vivem no edifício na Rua Alcântara Machado, 24. Entre os ocupantes estão 6 crianças, 2 bebês e 15 idosos. O Batalhão de Choque está no local. Defensor público acusa PM de "milícia particular".

Desocupação de prédio no Centro do Rio provoca confusão entre PMs e moradores — Foto: Reprodução

A tentativa da Polícia Militar de desocupar um prédio no Centro do Rio provocava tumulto no início da tarde desta quarta-feira (16). De acordo com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), cerca de 70 famílias vivem no edifício na Rua Alcântara Machado, 24. Entre os ocupantes estão 6 crianças, 2 bebês e 15 idosos.

Apesar de não terem um mandado de reintegração de posse, a PM diz que os ocupantes devem sair. Contudo, os moradores afirmam que vão resistir e não deixarão o local. Representantes do MLB tentam negociar para que não tenha confronto.

“Eles (a PM) não têm absolutamente nada. Não tem medida judicial, nada. A única coisa que tem é um entendimento. Tem um boletim de ocorrência que foi feito e com isso eles querem fazer a despejo dessas famílias. É absurdo", disse Juliete Pantoja, ex-candidata ao governo do estado e coordenadora do MLB.

Mais cedo, os policiais cercaram a rua e começaram a impedir que advogados, defensores públicos e demais representantes entrem no prédio para acompanhar a situação das famílias. O Batalhão de Choque da Polícia Militar está no local.

Segundo o advogado Luiz Gustavo Moreira, do Núcleo de Terras da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, a atuação da PM é ilegal.

"Um grupo de 70 famílias ocupou o imóvel ao lado do Banco Central e a PM cercou a rua dos dois lados e está impedindo o acesso das pessoas, o direito de ir e vir. O nosso entender é um comportamento ilegal. A polícia está ameaçando retirar o pessoal, levar para a delegacia e promover por via indireta uma reintegração de posse", comentou o defensor público.

De acordo com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), cerca de 70 famílias vivem no edifício na Rua Alcântara Machado, 24 — Foto: Arquivo pessoal

Na opinião de Luiz Gustavo Moreira, o estado está atuando como uma "milícia particular". O defensor também criticou a atuação do delegado da Polícia Civil que está no local e pediu que os ocupantes fossem levados para a delegacia.

"Eles não têm reintegração de posse, não tem ação (da Justiça). A polícia ta agindo como braço do proprietário, como se fosse uma milícia particular do proprietário. É o estado atuando como milícia particular. O correto seria o particular entrar com uma ação e, se for o caso, o juiz conceder ou não uma liminar de reintegração de posse", explicou.

Entre as 70 famílias que ocupam o prédio no Centro do Rio estão 6 crianças, 2 bebês e 15 idosos. — Foto: Arquivo pessoal

"O delegado da área também foi acionado e resolveu agir como juiz. Então ele ta querendo levar os ocupantes para a delegacia para devolver a posse para o proprietário. Ele não é juiz e não poderia fazer isso", argumentou o defensor.

Ainda segundo os defensores, a PM estaria impedindo a entrada de água e alimento no prédio.

Segundo o movimento, o imóvel da Rua Alcântara Machado estava abandonado por anos e desde o início da ocupação, na manhã desta quarta-feira, as famílias se organizaram para dividir os espaços e as tarefas.

Estão no local representantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, do Núcleo de Práticas Jurídicas da UFRJ, da Defensoria Pública do estado e da Comissão de Política Habitacional da Alerj. Além de representantes de vários políticos.

Mais de um ano esperando por moradia

Juliete Pantoja, que coordena o MLB, contou que as 70 famílias que estão ocupando o prédio no Centro do Rio são oriundas de uma outra ocupação popular, essa realizada em julho de 2021, no prédio da Faperj.

Segundo ela, por conta dessa primeira ocupação, os moradores conseguiram abrir negociações com o Governo do Estado do Rio de Janeiro para reivindicar por moradias. Juliete afirma que após um ano e meio o governo não avançou com propostas.

"Após um ano e meio o estado não fez absolutamente nada. Já tiveram pessoas que morreram esperando a sua moradia. Por isso, hoje foi ocupado esse imóvel que há mais de dez anos não cumpre nenhuma função social e estava completamente abandonado. Nesse momento, nós reivindicamos que o estado reabra a mesa de negociação e negocie com essas famílias. A PM já disse que vai realizar o despejo e não quer saber para onde essas famílias vão", comentou Pantoja.

De acordo com a organização da ocupação, 70 famílias contendo 6 crianças, 2 bebês e 15 idosos estão dentro da residência. — Foto: Arquivo pessoal

Um dos ocupantes do imóvel no Centro do Rio, Antônio Jorge, de 52 anos, comentou como foram as negociações com o governo durante esse período. Ele também foi um morador da primeira ocupação realizada pelo grupo.

"Eu participei da tentativa da ocupação na João Candido. Nós ficamos lá por 4 ou 5 dias, quando veio o governo do estado e fez um trato com a gente. Se nós deixássemos o prédio, eles disponibilizariam um imóvel, um prédio para que nós pudéssemos fazer nossa moradia. Desde então, vieram as negociações e eles passaram a embromar a gente. Sempre inventavam uma desculpa para que não atendesse nossas reivindicações", disse o morador.

"Dia 25 de julho fez um ano e até agora não saiu nossa moradia. (...) A gente não ta cometendo crime. Estamos reivindicando uma coisa que é nossa por direito, que é uma moradia digna. Estamos correndo atras dos nossos direitos", disse Antônio Jorge, em um vídeo gravado dentro da ocupação.

Oferta de casas para 150 famílias

A revolta de muitos dos moradores que estão ocupando o prédio da Rua Alcântara Machado é em relação ao que teria sido prometido pelo Governo do Estado na época da primeira ocupação do grupo, em julho de 2021.

Na ocasião, os ocupantes do prédio da Faperj teriam recebido do Governo do Estado do Rio de Janeiro a promessa de um plano para a construção de casas para as 150 famílias.

Segundo os coordenadores do movimento, o governo ofereceu R$ 17 milhões para construir unidades habitacionais, caso eles deixassem o prédio da Faperj naquele momento.

A Prefeitura do Rio também foi citada pelos ocupantes como parte da negociação da época. Segundo eles, o município iria disponibilizar o terreno para esse programa habitacional.

Desocupação de prédio no Centro do Rio gera confusão entre PMs e moradores — Foto: Arquivo pessoal

O MLB disse que as 150 famílias cumpriram sua parte do acordo e desocuparam o prédio da Faperj. Contudo, as lideranças alegam que foram abandonadas pelas autoridades do estado e da prefeitura. Segundo eles, nada mais foi feito.

Banco Central pede informações

Como o prédio ocupado é vizinho do edifício onde funciona o Banco Central, a instituição financeira também manifestou sua preocupação com a invasão e entrou em contato com a Polícia Militar.

Segundo Rodrigo Pereira Altoé, coordenador de segurança do banco, a presença dos moradores no prédio ao lado "compromete a segurança" do órgão federal.

"O Banco Central do Brasil possui como uma de suas responsabilidades constitucionais a emissão de numerário em todo o território nacional. E esse produto é armazenado e acautelado neste edifício, razão pela qual a invasão em muito compromete a segurança de seu conteúdo, dos servidores que lá desempenham suas atividades e da segurança institucional e reputacional", dizia um trecho do documento enviado a Polícia Militar.

No ofício, o coordenador de segurança do Banco Central pede ainda que a PM retire os invasores do prédio vizinho.

Procurador do MPF defende diálogo

O procurador regional dos direitos do cidadão adjunto do Ministério Público Federal (MPF/RJ), Júlio Araujo, esteve na tarde desta quarta-feira (16) na Rua Alcântara Machado, no Centro do Rio.

Segundo o procurador, não há qualquer decisão judicial que determine a retirada dos moradores do local. Além disso, na opinião de Júlio Araujo, a ocupação é pacífica. O representante do MPF defende o diálogo entre os moradores e os órgãos de governo para tratar do problema da falta de moradia dessas pessoas. Para ele, os ocupantes não podem ser criminalizados.

"Não há razão para criminalizar os ocupantes nem razão para atuações extremas. O importante é garantir o diálogo e encaminhamentos junto aos órgãos competentes. Eventual desocupação violenta será muito grave e não pode ser tolerada", disse o procurador.

Júlio Araujo ainda informou que a reivindicação dos ocupantes é pela abertura de diálogo com a Secretaria de Habitação do Estado.

O g1 apurou que deputados da Alerj estão pressionando para que uma reunião entre representantes do Governo do Estado e do movimento sem-teto aconteça ainda nesta quarta.

O Batalhão de Choque está na Rua Alcântara Machado, 24, no Centro do Rio. O Defensor público acusa PM de "milícia particular". — Foto: Arquivo pessoal

'Desabitável', diz advogada de dono do prédio

No começo da noite, a advogada Bianca Ribeiro Porcides, representante de Emerson Tavares da Fonseca, dono do imóvel, disse ao g1 que o imóvel está "desabitável" e que não sabe informar se há risco para os ocupantes.

“Esse imóvel está desabitável e não sabemos se ele oferece risco ou não”, diz advogada que representa o dono do prédio.

Segundo a defensora, uma equipe do Banco Central chegou a alertar da entrada dos sem-teto.

“Temos um sistema de alarme e fomos informados imediatamente após a invasão. Além disso, o Banco Central tem uma equipe de segurança que também entrou em contato”, disse Ribeiro Porcides, que seguiu:

“Esse imóvel está para alugar ou vender. A invasão aconteceu por volta das 4h30. O imóvel está fechado há mais de três anos. O mercado do centro da cidade desaqueceu e são questão que influência na ocupação do imóvel, da destinação dele. O imóvel sempre foi cuidado no sentido de ter uma vigilância, de estar presente aqui”.

Bianca Ribeiro Porcides diz que “existe um crime praticado pelo movimento”.

“Nós temos um crime praticado por esse movimento. Não existem famílias ali. É uma inverdade. Isso é uma questão política. Eles não estão preocupados com as vidas. Esse imóvel não tem habitualidade. Não tem água, não tem gás, não tem luz. A Defesa Civil veio aqui para verificar a situação e não foi permitido a entrada. Não sabemos como essas pessoas estão lá. Os responsáveis por esse movimento querem sustentar um ato político em detrimento da vida. Não sabemos se existe risco ou não”, pontuou.

O que dizem os envolvidos

Em nota, o Ministério Público do Rio (MPRJ) informou que “a Coordenadoria-Geral da Promoção de Dignidade da Pessoa Humana informa que não recebeu, até o momento, nenhum relato” em relação a postura da PM que estaria impedindo a entrada de água e comida no prédio. O órgão afirmou que “vai apurar” a conduta dos agentes.

A reportagem procurou a Polícia Civil para que o órgão comentasse a crítica do defensor público Luiz Gustavo Moreira, do Núcleo de Terras da Defensoria Pública, a 4ª DP (Praça da República). A instituição ainda não respondeu a fala de Moreira.

Em nota, a assessoria de imprensa da PM informou que equipes policiais do 5ºBPM (Praça da Harmonia) foram deslocadas para verificar relato de concentração de pessoas e invasão de um edifício na Rua Alcântara Machado, no Centro da cidade do Rio de Janeiro.

"Segundo o comando do batalhão, as equipes aguardaram o proprietário chegar ao local e iniciaram diálogo entre as partes nesta tarde. Bolsas e sacolas, ainda que contendo alimentos, estão sendo revistadas por questões de segurança. Cabe informar também que a comunicação entre as partes, defensores públicos e advogados não estão sendo impedidas", informou a PM.

Por volta das 20h, o Governo do Rio informou que iria receber os representantes das 70 famílias que ocupam o Edifício da Rua Alcântara Machado, no Centro. As autoridades do estado ressaltaram que o prédio é de propriedade privada e afirmaram que vão construir moradias para os ocupantes do local.

"O Estado iniciará a construção dos imóveis, assim que a Prefeitura do Rio disponibilizar o terreno na região, como ficou acordado. O governo segue em diálogo com as famílias", dizia a nota do Governo do RJ.

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