Penha

O extinto litoral da Penha, suas praias, ilhas, portos e fazendas

Por Hugo Delphim

Acredite, mas no passado a Penha, bairro do subúrbio carioca, possuía uma bela orla marítima. Localizada nas terras da antiga Fazenda Grande da Penha, contava com praias, portos e até ilhas, como demonstram os mapas mais antigos do recôncavo do Guanabara.

A ILHA DO RAIMUNDO:

Entre a Penha e a Ilha do Governador havia algumas ilhas, como a Pedra do Anel, Ilha de Forra Semana (atual Santa Rosa), Ilha de Jozé Gomes, Ilha do Boticário e a Ilha do Raimundo, que era a principal e uma das duas que permanecem até hoje, não sendo alcançadas pelos aterros.

A atual Ilha do Raimundo, foi por muito tempo chamada de Ilha DOROTÉIA CARDOSA e, por isso, citada nos mapas do século XVIII e XIX como Ilha Cardoza (VER MAPAS EM ANEXO). A raridade de registros e fontes dessa época fez com que alguns autores tenham a chamado erroneamente de Ilha do Cardozo. 

Os dois nomes que a ilha possuiu faziam referência a personagens que foram dois dos muitos proprietários da mesma ao longo dos séculos. No século XVII a ilha pertencia a D. Dorotéia Cardosa. Já em 1760, após passar por sucessivos donos, a ilha chega as mãos de um português, o alferes Raimundo Ferreira da Silva. No final daquele século a Ilha é vendida por seu filho. 

No século XX surge a lenda do tesouro escondido, que dizia que os jesuítas enterraram um tesouro na ilha, apesar de não haver nenhum registro histórico que comprove a presença dos mesmos na região. Por conta da lenda, em meados do século XX ocorreram diversas incursões com escavações na ilha. Nunca encontraram nada ou se encontraram, nunca saberemos.

Curiosamente a ilha está a venda atualmente por alguns milhões de reais, num anúncio que divulga seus 38 mil metros quadrados, ainda possuindo uma nascente de água e ruínas de outrora. Se encontra desabitada há décadas. 

Abaixo, registros de fontes primárias onde estes personagens são citados.

Um registro de 03/06/1686 diz: 

"Verba testamentária de Dorotéia Cardosa - Deixa a seu sobrinho Leandro da Costa uma ilha que tem, sita defronte de Manoel Fernandes Franco, e à sua sobrinha Maria de Galegos outra ilha que possui, que está defronte de Dom Gabriel [Garcez e Gralha]" (Arquivo da Curia Metropolitana)

O trecho cita Manoel Fernandes Franco, que tinha um Engenho (chamado de N. S. da Candelária, da Ponta ou da Praia) na atual Ilha do Governador. Por isso nos mapas antigos sempre observamos vizinho a Ponta do Galeão, a Ponta do Franco, desde séc. XVII (VER MAPA EM ANEXO), depois chamada de Ponta da Mãe Maria, já no séc. XIX.

Voltando a ilha primeiramente citada, em outro registro de 21/06/1760 também podemos constatar os nomes citados: 

"Escritura de doação de uma ilha que faz Pedro Fagundes Varela, escrivão da Intendência Geral, a Raimundo Ferreira - chamada de Dorotéia Cardosa, sita no recôncavo desta cidade, junto à Ponta do Galeão, que se acha cercada em roda do mar e fica fronteira à quinta que foi de Francisco Viegas Leitão e Souza, e que hoje é de sua mulher Dona Ângela de Mendonça, com casa de vivenda coberta de telha, várias senzalas, bananais, algumas árvores de fruto e 4 escravos de serviço, livre de foro, comprada a Pedro da Cunha e sua mulher Inácia Maria da Fonseca em 1/12/1756" (1° Ofício de Notas, disponível no Arquivo Nacional)

O SACO DO VIEGAS: 

Observe que o registro nos trás informações da circunvizinhança e também é citada a esquecida quinta do Coronel Francisco Viegas Leitão e Souza (não confundir com Francisco Viegas da Fazenda do Viegas em Bangu), que é um dos nomes dados a antiga Fazenda Grande da Penha, originalmente chamada de Engenho de N. S. da Ajuda. Seu nome deu origem ao antigo SACO DO VIEGAS, que era uma pequena enseada que se formava no litoral da Penha, dependendo da época e da maré. Por isso essa enseada aparece em alguns mapas antigos, porém em outros só aparece uma pequena ilha próxima ao continente (COMPARAR DOIS MAPAS EM ANEXO). Já Dona Angela de Mendonça, esposa do Coronel Francisco Viegas, também citada na escritura, aparece como D. Angela em um dos mapas em anexo. Sobre a fazenda, já foi publicado um artigo aqui na página.

Segundo uma antiga notícia, na região havia fartura de peixes, como merótes, paratis, robalos, tainhas, vermelhos, além de siris e até ostras. Era um maravilhoso balneário! Com toda essa fartura havia muitos currais de peixes, onde hoje só se encontra lixo.

OS PORTOS DA REGIÃO:

Nos séculos XVII e XVIII havia dois portos na região. O PORTO DE MARIA ANGÚ e PORTO DE N. S. DA PENHA.

O Porto de Maria Angú e a praia de mesmo nome, tiveram seu nome originado na ave mariangu, outrora abundante na região. Este porto servia para escoar a produção agrícola da região e durou do século XVII até o início do século XX. Sua localização original não se sabe ao certo, mas já no século XX ele ficava localizado na altura da atual Rua Pirangi de Olaria e passou a servir a passageiros que iam e vinham da região do atual Centro do Rio através das barcas.

Já o Porto de N. S. da Penha servia também para embarque e desembarque de passageiros, muita das vezes romeiros que vinham participar da festa de N. S. da Penha e seguiam por aquela que era chamada Estrada do Portinho, a atual Av. Lobo Júnior. Em época de festas, o movimento deste porto era intenso, pois recebia visitantes de todo o Rio de Janeiro.

No século XIX surgiu um terceiro porto, chamado Ponte das Barcas, na altura da atual Cedae. Nesse porto chegava um ramal da E. F. Rio D'Ouro vindo de Vicente de Carvalho, tendo existido no local, a Estação Fazenda Grande. Em anexo segue imagem de trilho encontrado na mata entre a área das atuais Fazendinha e Cedae. Segue também a imagem do que se acredita ter sido a Estação Fazenda Grande, localizada na mesma região. 

Vale lembrar que essa região já abrigou um matadouro em parte das terras da antiga Fazenda Grande da Penha, mais precisamente onde hoje se localiza a Fazendinha, o IAPI e o Campo da Taninha, que por esse motivo era chamado pelos mais antigos de Campo da Boiada.

AS PRAIAS DA REGIÃO:

A região contava com duas praias que eram bem populares. A mais antiga, chamada praia de Maria Angú e a Praia da Moreninha, assim chamada já no século XX.

A Praia de Maria Angú se iniciava vizinha a Praia do Apicú em Ramos e ia até próximo da atual Av. Lobo Júnior, onde então se inciava a Praia da Moreninha. A faixa de areia dessas praias era onde hoje passa a Av. Brasil, que é fruto de muito aterro. Os aterros também avançaram sobre o mar, onde hoje há diversas construções como a área militar, o mercado São Sebastião, a comunidade da Kelsons e etc.

Essas praias foram extintas, mas o nome Praia de Maria Angú posteriormente se deslocou e chegou a denominar a atual Praia de Ramos, sendo também citado em alguns sambas, como:

"Peguei bolsa forrei a carteira
E me mandei pra praia de Maria Angú
Mas fiquei na intenção
Camarão tá caro pra chuchu" (Jovelina Pérola Negra)

Ou:

"Fui no bar da neguinha comer camarão
Na praia de Maria Angu
Tinha gente de todo lugar
Foi o maior sururu" (Beth Carvalho)

Esses são apenas pequenos fragmentos da esquecida história da região. 

Destruíram nosso subúrbio praiano!

*Texto, pesquisa de autoria de Hugo Delphim, publicados na Página O belo e histórico Rio de Janeiro.